No dia em que as forças soviéticas cruzaram as fronteiras do Afeganistão em 1979, o então Conselheiro Nacional de Segurança Zgniew Brzezinski escrevia um memorando ao presidente Jimmy Carter em que dizia: “temos agora a oportunidade de dar à URSS a sua guerra do Vietname”. O prognóstico foi certeiro. Passados 10 anos as forças soviéticas retiraram do território afegão. Não obstante a clarividência desta observação, em 2001, os EUA cometeram o mesmo erro dos soviéticos. Invadiram o Afeganistão e instalaram um regime que era favorável aos seus desígnios estratégicos. Vão retirar-se passados 20 anos, combatendo o mesmo inimigo que tinham apoiado a derrotar os soviéticos.
Em 2007, o insuspeito Atlantic Council alertava que “a NATO está a perder no Afeganistão”, e em setembro de 2009, numa conferência em Genebra, Brzezinski alertava as potências ocidentais para o risco de se repetir o destino dos soviéticos, caso não se conseguisse parar a crescente subversão. Perante tantas evidências, não podemos deixar de nos interrogar sobre o que foi feito para reverter o rumo dos acontecimentos.
Apesar dos indícios mais do que claros de que não se estava a ganhar militarmente a guerra, Washington continuava a insistir na solução militar, sem se empenhar decisivamente na procura de uma solução política. Acossado pela exaustão e por uma opinião pública cada vez menos favorável à guerra, o presidente Obama anunciou em 2011uma substancial redução de tropas, o fim da ISAF em dezembro de 2014 e a sua transformação numa missão de apoio. O processo de transição estaria terminado no final de 2014, passando então o povo afegão a assegurar a sua própria segurança. Esta estratégia foi concebida e implementada sem existir um processo de paz em curso, como se bastasse reforçar a capacidade militar afegã, em vez de procurar uma solução política para o conflito. Foi este o sinal que se deu aos talibãs em 2011. Bastava-lhes esperar.
Quando os Estados Unidos iniciaram negociações com os Talibãs em 2018, a sua margem de manobra estava substancialmente reduzida. Os EUA apenas pretendiam resolver o seu problema com os talibãs, não o dos seus aliados afegãos. O diálogo intra-afegão, que devia estar há anos no topo da agenda, continua parado. Os acontecimentos provaram que a estratégia delineada por Bin Laden era correta quando aconselhou os seus seguidores a travarem primeiro guerras de desgaste contra os Estados Unidos e enfraquecer a sua capacidade para derrubar futuros estados islâmicos, e só os fundar depois de verificadas estas condições.
Os talibãs estão prestes a fundar o seu Estado Islâmico, por exaustão dos EUA e do bloco ocidental, que os apoiou, enquanto o ISIL foi copiosamente derrotado no Iraque, por ter criado primeiro o Estado Islâmico antes de exaurir os EUA. O Afeganistão e o Iraque tornaram-se oportunidades soberbas para promover e expandir a jihad global a outras regiões. Por erro de análise, os estrategas americanos contribuíram involuntariamente para tornar isto possível. O que estamos a assistir presentemente no Afeganistão é o resultado de opções estratégicas erradas.
A presença dos talibãs não se cinge apenas ao sul, ao território pashtun, mas alargou-se ao norte do país. A confirmarem-se alguns relatos, em muitos locais, as forças de segurança ou renderam-se sem lutar ou retiraram-se sem colocarem resistência. Começam a levantar-se milícias civis que nalguns locais se juntam aos soldados afegãos. Preparemo-nos, pois, para a continuação da guerra civil, desta vez apenas entre afegãos, como em 1992.
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