Quando eu era pequena, muito pequena, a grande luta da minha mãe era manter um jardim à porta de casa. Dizia que era tão ou mais importante cuidar do exterior da casa, como do interior. E mais, a Terra era como uma grande habitação, tínhamos de tratar dela como do nosso lar.
Por esta altura, a informação sobre as condições meteorológicas para o dia seguinte dava origem a um segmento noticioso próprio. Lembro-me de ter um apresentador de pé a percorrer os mapas de Portugal e da Europa, cheios de linhas arredondadas. Havia frentes e massas de ar, quente ou frio, que ditavam se íamos ter chuva, sol ou vento.
Confesso, tudo isto sempre me pareceu muito confuso e difícil de entender. Muito mais simples era olhar para o céu e perceber que “se pedrento ou chuva ou vento”.
Neste segmento que nos mostrava a atmosfera em funcionamento, uma personagem do tempo ganhava vida na memória coletiva de muitos portugueses: o Anticiclone dos Açores. Outro elemento demasiado complexo. Nunca lhe atribuí particular importância e só mais tarde percebi a sua influência.
Afinal, esta personagem com nome temível, está ali para nos proteger, qual guarda-chuva no inverno ou chapéu de sol no verão. Interage e comunica com outras personagens igualmente temíveis, como ciclones e coisas afins, para nos proporcionar as condições climatéricas ideais e desfrutarmos das quatro estações do ano. A nós, a toda a Europa, ao norte de África e até ao outro lado do Atlântico.
Soube há pouco tempo que o Anticiclone dos Açores, “estacionado” há tantos anos ao largo deste arquipélago, anda agora mais instável nas suas deslocações a norte e a sul. Qualquer dia mudam-lhe o apelido definitivamente. Resultado? Fenómenos climatéricos com nome de gente, já muito comuns nas Américas, são cada vez mais habituais em território nacional.
Sim, a tempestade “Bárbara” ou as depressões “Dora” ou “Ernesto” são uma consequência do Anticiclone dos Açores andar “desvairado”. E porquê? Exato, o aquecimento global. O mesmo que é responsável pela subida do nível das águas, seca extrema e deslocações migratórias em massa de territórios onde sobreviver passou a ser um desafio.
Esta revelação fez-me desejar o regresso do Anticiclone dos Açores. Não que ele se tenha ido embora para sempre, mas porque a sua instabilidade é mais um sintoma de que há um sistema em risco de colapso. Uma casa que está a ficar sem teto.
Passaram mais de trinta anos. O jardim da minha mãe já não existe. Resta uma árvore, onde antes floriam rosas. Mantém-se a luta pelo interior e exterior da casa limpos e embelezados. E a lição de respeito pelo espaço comum contida nas suas palavras faz mais sentido do que nunca.
Como dizia o Sr. Durrell, o ser humano, com as suas “botifarras”*, teima em destruir a sua própria casa. Um sistema planetário que combina animais e plantas de todas as espécies e tamanhos, minerais e fontes de energia, em relações nem sempre óbvias a olho nu, mas das quais dependemos e sobre as quais construímos a nossa riqueza.
Porém, um planeta cada vez mais degradado. Basta fazermos um zoom ao que são indicadores como aqueles que nos dizem a quantidade de espécies que estão a desaparecer ou ao estado das reservas de recursos naturais. A causa, somos sempre nós.
E se achamos que aquilo que se passa na despensa, nada tem a ver com a vida na nossa sala, é muito provável que nos estejamos a enganar. Perguntemos a um emigrante vindo do Bangladesh, ou da Índia, porque saiu do seu país e a resposta poderá surpreender-nos. Pensemos no Anticiclone dos Açores.
Talvez por ser demasiado complexa, a meteorologia tenha sido remetida para um mero boletim de temperaturas. Pergunto-me se o regresso a um segmento com mais informações e detalhes dos efeitos das “botifarras” do ser humano não ajudaria a manter a big picture presente no coletivo social.
A minha mãe teve dificuldades em manter o seu jardim, mas não foi impossível.
Era tão bom se largássemos a atitude “botifarra” à saída de 2020.
*(expressão usada por Gerald Durrell, naturalista, zoologista e fundador da Durrell Wildlife Conservation Trust )