Em agosto de 1974, quando as revelações do caso Watergate atingiam o pico, mas Richard Nixon permanecia determinado em não ceder um milímetro na sua defesa e continuava a negar os factos que lhe eram imputados, um grupo de três senadores republicanos decidiu agir para tentar acabar com o escândalo e, em simultâneo, salvar o partido, num dos momentos mais conturbados da história recente dos Estados Unidos da América.
Liderados pelo veterano e respeitado Barry Goldwater, do Arizona, que tinha sido o candidato do partido nas presidenciais de 1964 (ganhas pelo democrata Lyndon Johnson), os líderes republicanos na Câmara dos Representantes e no Senado reuniram-se, no dia 7 de agosto, com o Presidente Nixon, no seu gabinete do Old Executive Office Building, um edifício ao lado da Casa Branca, com um único propósito: dizer-lhe, olhos nos olhos, que a partir daquele momento ele já não podia contar com o apoio maioritário dos republicanos no Congresso e que, portanto, a sua destituição seria certa, no processo de “impeachment” que estava a decorrer.
No dia seguinte, a 8 de agosto, Richard Nixon anunciou, num discurso em direto pela televisão, que iria, por sua vontade, deixar o cargo de Presidente dos EUA. A carta de resignação foi entregue na manhã seguinte, 9 de agosto, a Henry Kissinger, secretário de Estado, e, poucas horas depois, Nixon dirigiu-se ao helicóptero estacionado nos jardins, entrou nele e nunca mais voltou à Casa Branca.
Este episódio merece ser recordado, agora, no momento em que Donald Trump, ao sentir a eleição perdida, só consegue escolher o caminho da mentira, e dos ataques ao processo eleitoral e ao sistema democrático.
A maneira como Donald Trump está a atacar estas eleições devia envergonhar a esmagadora maioria dos apoiantes do Partido Republicano: com mentiras, acusações falsas e o único propósito de espalhar o máximo de teorias de conspiração possível, fazendo cavar ainda mais a enorme clivagem existente na sociedade americana.
Os 17 minutos do seu discurso na noite de quinta-feira foram de um nível tão baixo que, em simultâneo, as três principais cadeias de televisão dos EUA (ABC, CBS e NBC) decidiram interromper a sua transmissão a meio, por não quererem pactuar com o rol de mentiras, falsidades e inverdades que o ainda Presidente estava a transmitir à nação.
O tom incendiário dos seus ataques, a forma como apela à insurreição face aos resultados, o nível descabelado dos seus insultos só têm, na verdade, um objetivo: deixar a América num estado de “terra queimada” para o seu sucessor – um país em que nenhum consenso possa ser possível entre os dois partidos, com um clima de confronto permanente, com consequências graves para a economia e para a qualidade de vida da nação mais rica do mundo.
A pergunta que fica é então esta: onde está o Barry Goldwater de 2020? Onde está o grupo de senadores republicanos capaz de dar o murro na mesa e dizer que “já chega”, que já foram ultrapassados todos os limites e regras? Onde estão os republicanos sem medo de enfrentar Donald Trump? Onde estão os republicanos com coragem para salvar o Partido Republicano?