- As presidenciais pós-25 de Abril sempre foram eleições muito relevantes. Sobretudo quando não se tratou de uma reeleição, em geral tida como assegurada pelo Presidente (re)candidato. A exceção foi em 1980, com Ramalho Eanes, porque: a) A AD vencera as legislativas, era Governo, apoiou Soares Carneiro, com Sá Carneiro a anunciar a demissão de primeiro-ministro se Eanes ganhasse; b) Mário Soares autossuspendeu-se de líder do PS por o partido ter apoiado Eanes. Porém, contra a AD, Sá Carneiro, Soares, uma indecorosa manipulação da RTP, etc., Eanes foi reeleito logo à 1ª volta. Num momento “perigoso” para o nosso regime democrático, que vivi por dentro.
- Não vou comentar a intervenção de António Costa na Autoeuropa e reações que suscitou. Lembro que após aquela quase “cisão” de 1980, em 2006, também grave, o PS apoiou Soares, mas Manuel Alegre candidatou-se e teve mais votos do que ele. Já em 1995, quando Jorge Sampaio anunciou a sua candidatura, houvera uma tosca tentativa de lançar, contra a sua, a de Sottomayor Cardia − que não prosperou. E, em 2016, num PS que tinha em Sampaio da Nóvoa um excelente candidato independente da sua área, a quem tinha prometido apoio, lá apareceu, com o resultado que se sabe, a candidatura da anterior presidente do partido, que não apoiou ninguém.
- E é isto que acontecerá em 2020. Porque é politicamente inevitável o PS apoiar, sem apoiar…, a recandidatura de Marcelo, como o PSD de Cavaco apoiou a de Soares em 1990. Inevitável, se não natural, dada a forma como o atual Presidente contribuiu para ser possível um governo de “maioria de esquerda” num clima descrispado, tranquilo, de constante diálogo/equilíbrio institucional. Como será um seu segundo mandato? Pode ser diferente do primeiro, mas é infundado e abusivo invocar o que sucedeu depois entre Soares e Cavaco, atendendo às circunstâncias e às muito distintas personalidades de Soares e Marcelo − e ainda mais de Cavaco e Costa…
- Face à recandidatura de Marcelo, haverá, então um candidato militante do PS, sem o partido apoiar oficialmente ninguém? O nome em foco é o de Ana Gomes. Que primeiro afastou essa hipótese, mas após a cena da Autoeuropa está a “refletir”. Além de respeito e amizade, tenho por ela muita admiração, já aqui várias vezes expressa. Entre as suas muitas qualidades estão a coragem e a frontalidade, a exemplar capacidade de denúncia, a defesa pertinaz de boas causas. Num estilo desassombrado, por vezes talvez excessivo… Mas sem que se lhe conheça, sem esquecer o seu notável papel como embaixadora na Indonésia, igual capacidade ou apetência para procurar o diálogo e os consensos em política tão necessários − e para os quais o PR deve dar um contributo decisivo.
- Queria ainda falar, a propósito, da candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo. Como já não cabe, digo só que preferia que na sua reflexão Ana Gomes concluísse não dever ser candidata. Porque creio melhor para os combates que corajosamente trava a vários níveis, e por isso para o País, não o ser do que sê-lo… Embora, episodicamente, numa visão simplista e imediatista, possa parecer o contrário.
Opinião publicada na edição 1421 de 28 de maio