Perante os efeitos económicos da Covid-19 e o consequente estrangulamento de vários órgãos de comunicação social, o Governo anunciou, no mês passado, que anteciparia o pagamento de 15 milhões de euros referentes a publicidade institucional aos media. O decreto-lei publicado esta quarta-feira, 6, prevê que, desse montante, 11,25 milhões serão destinados às empresas que detenham órgãos de âmbito nacional e que o remanescente ficará nas mãos das donas de media de alcance local ou regional.
Para que a discussão seja razoável, o assunto deve ser tratado como aquilo que é: um adiantamento de verbas. Não será um apoio extraordinário, não se tratará de um empréstimo a fundo perdido, não estará em causa um cheque passado em nome de amigos estrategicamente colocados na imprensa.
Podemos discordar de uma solução desta natureza, podemos olhar com desconfiança para a injeção de dinheiro público nos media, podemos suspeitar da autenticidade da generosidade do Executivo e, no limite, podemos até ter a convicção de que, mais cedo ou mais tarde, esta e outras simpatias – com este ou com qualquer outro Governo – venham a ter contrapartidas. Todos estes são argumentos atendíveis numa discussão que se exige serena, visto que é a do controlo democrático e da fiscalização dos poderes públicos que falamos.
Diferentes – para não as qualificar como demagógicas – têm sido as razões invocadas por Rui Rio para se opor à decisão. Esta quarta-feira, em entrevista à CMTV, o presidente do PSD chegou ao ponto de afirmar que as empresas de comunicação social são “iguais às que fabricam móveis, que fabricam sapatos, que fabricam têxteis”. Valha a verdade, não são, por mais que o líder social-democrata não goste. Até pelo amparo constitucional, que do mesmo modo que lhes impõe deveres especiais, também lhes confere direitos específicos. É a democracia ou lá como lhe chamam…
Louve-se a coragem de Rui Rio de optar pela música celestial para os ouvidos dos marceneiros, dos tecelões e dos sapateiros e de aplicar mais uma vergastada num setor desacreditado junto da opinião pública, ultrapassado pela evolução tecnológica e, já de si, massacrado por uma crise estrutural. Sublinhe-se mesmo a coerência de ir ao encontro dos juízes de café ou de tabacaria, para os quais, assim como político é sinónimo de corrupto, jornalista é eufemismo para mentiroso.
Deus nos livre, portanto, de que haja “subsidiação especial” para parasitas que detetam as incongruências e inabilidades de Rui Rio e que descobrem os podres de alguns dos que o rodeiam. Era o que faltava despejar dinheiro sobre os meios que diariamente o sindicam, como aqueles que de forma desabrida atacou quando quis tomar o papel de Ricardo Araújo Pereira em Isto é Gozar com Quem Trabalha.
Bom, bom, já sabemos, é o unilateralismo acrítico do Twitter: não reflete, não analisa, não escava, não questiona, não desmascara, não é avençado de António Costa, nem está ao serviço dos opositores internos. Enfim, um idílio comunicacional.
Por muita adesão que tenha esta cruzada de Rui Rio em especial contra a SIC, o Expresso e o Observador – numa versão adocicada da que Donald Trump apresenta contra a CNN ou Jair Bolsonaro contra a Globo -, convém recordar o princípio de Enoch Powell, ex-ministro do Reino Unido, que defendia que “um político que se queixa da imprensa é como um capitão de navio a reclamar do mar”.
Mesmo para alguém que pode até ter razões de queixa – não o nego – da comunicação social, a solução jamais deveria passar por estrangular aqueles que, à semelhança dos sapateiros, também lhe possam apertar os calos.
Corajoso, como aqui sugeriu Luís Delgado, seria Rui Rio insurgir-se, em simultâneo, contra o meio milhão de euros que o Estado emprega todos os dias nos media públicos. Ou esse dinheiro, por acaso, não é necessário nos hospitais ou nas empresas que não provocam reações cutâneas ao líder da oposição?
Além disso, para quem tanto bate com as mãos no peito enquanto clama pela sua pureza social-democrata – num afã permanente de se demarcar dos pecados liberais -, este darwinismo económico-financeiro, aplicado apenas a um setor, é lapidar.
E sejamos francos e pragmáticos: quem precisa de comunicação social vigilante e afoita num País em que pode contar com o escrutínio atempado e acutilante do PSD? Desta crise que ao menos sobrevivam e prosperem as fábricas de colchões e almofadas – e, assim, todos nós poderemos dormir descansados.