1 – Segundo o regimento da Assembleia da República (AR), artºs 224,3, e 228, só os grupos parlamentares podem fazer perguntas nos debates quinzenais com o Governo e no debate anual sobre o estado da Nação. É assim há muito, não foi inventado agora para impedir de “perguntarem” os deputados únicos de IL, Chega e Livre. E é assim há muito decerto porque, antes do PAN, há quase 30 anos não havia um partido a ter eleito um só deputado: o último fora, em 1991, Manuel Sérgio, pelo PSN. Deste modo, a questão nunca se pôs. E quando se pôs, com o PAN, em 2015, como se impunha a situação remediou-se. Só que imperfeitamente, porque em vez de se alterar o regimento abriu-se uma exceção… Agora, por boas razões democráticas, e até de simples bom senso, o que de imediato importaria era alterar o regimento. Que partidos da esquerda o tenham obstaculizado ou “demorado” foi um erro lamentável. E bem andou o presidente da AR em defender o democrático direito à participação de todos nos debates, que se deve concretizar.*
2 – … Só que, entretanto, algum prejuízo foi causado à imagem da AR, e algum benefício foi dado a quem não o merece. Aliás, certa demagogia direitista não se cansou de ampliar e explorar este caso. Que não tem que ver com a efetiva tradicional tendência dos partidos já com representação parlamentar de tentarem desvalorizar os que aparecem de novo. Até porque, de momento, IL, Chega e Livre carecem de expressão que os torne “concorrenciais”. Dessa tendência, aliás, tenho uma experiência ímpar, como fundador, dirigente e deputado de um partido (só partido para poder concorrer a eleições e visando, entre muito mais, combater o monopólio partidário de intervenção cívica) que na primeira vez que se apresentou a sufrágio elegeu 45 deputados e tornou-se o fiel da balança da AR. Um partido, o PRD, que tinha entre os seus eleitos figuras muito destacadas de vários setores da vida nacional e foi visto como um ameaçador “intruso”. Por exemplo, fui primeiro signatário de projetos de lei tendentes a permitir/incentivar a participação dos cidadãos na vida pública sem necessidade de chancela partidária, como a possibilidade de listas independentes para as câmaras municipais – projetos então chumbados por todos os partidos.
3 – Numa (compreensível…) cedência ao BE e ao PCP, saiu do Programa de Governo a reforma do sistema eleitoral proposta no programa do PS, com círculos uninominais e um círculo nacional garantindo a proporcionalidade. Sempre fui favorável a um sistema misto deste tipo, próximo do alemão; o PS pelo menos desde 1992 o admite, e de forma muito assertiva o defendeu nas conclusões dos Estados Gerais para uma Nova Maioria, do tempo de António Guterres. E não compreendo aquela posição de BE e PCP, pois não vejo como um sistema com aproveitamento de restos, com um amplo círculo nacional, possa prejudicar a representatividade de partidos que com ele contabilizariam utilmente votos de todo o País, enquanto com o sistema atual se sabe que os votos nesses partidos, na maioria dos círculos, são votos perdidos, porque não elegem ninguém – o que levará a nem votarem neles cidadãos que se assim não fosse o fariam.
* O que até finalizar este texto (ainda) não aconteceu.
(Opinião publicada na VISÃO 1393 de 14 de novembro)