A criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi talvez a mais importante e emblemática medida social tomada pelo nosso regime democrático saído do 25 de Abril, de que se transformou num dos principais símbolos. Pelo que representou de reconhecimento da igual dignidade de todos os cidadãos, e porque graças a ele milhões de portugueses passaram a ter direito a cuidados de saúde que nunca antes tiveram, Portugal deixou de estar na cauda de diversos índices nessa área para se situar no pelotão da frente, etc., etc. Ora, na base do SNS está um homem de ideais, de princípios e de causas: António Arnaut (AA), que como ministro dos Assuntos Sociais o propôs, lutou denodadamente por ele e conseguiu que fosse consagrado por lei de 1979.
São imensos os serviços e benefícios do SNS ao longo do tempo. Como é natural, com altos e baixos, com profissionais, instalações e equipamentos de excelência, com outros que nem tanto, com crescentes carências por falta de meios. O que resultará, para além das dificuldades do Estado, de também neste domínio ter havido políticas para desvalorizar/diminuir o setor público e favorecer negócios privados, estando os da saúde entre os de maior crescimento e rentabilidade.
Mas o que aqui me importa destacar é o exemplo que AA invariavelmente tem dado na esclarecida e empenhada defesa do SNS. Apenas a face mais visível do exemplo como cidadão livre e generoso para quem a política sempre foi só uma forma de pugnar pelo que entende ser o mais justo e o melhor para as pessoas e o País, fiel aos valores democráticos e humanistas de toda a vida. Sem nunca ter aceite qualquer sinecura, cargo ou vantagem decorrente da política ou da notoriedade, o chamado “pai” do SNS continua o advogado de e em Coimbra, íntegro e vertical, que sempre foi; o fundador, dirigente e agora presidente honorário de um partido, o PS, que nunca incorreu nos vícios e defeitos da partidarite, antes cultivou a seriedade e a tolerância, conjugando a firmeza das convicções com a retidão dos procedimentos e o respeito pelos que pensam de forma diferente.
Vem tudo isto a propósito do lançamento, sábado passado, de Salvar o SNS – Uma nova Lei de Bases da Saúde, para defender a democracia, de AA e João Semedo, no qual os autores apresentam as medidas que consideram essenciais para o preservar. Aliás, António Arnaut – que me traz à memória, como cidadão, o seu amigo Fernando Vale, e como poeta o seu amigo Miguel Torga – tem uma bibliografia de mais de 40 títulos, entre poesia, ficção e ensaio, deu a lume nos últimos meses outras obras. Incluindo, em junho, a Recolha Poética (1954-2017), com a chancela da Imprensa da Universidade de Coimbra, e, em outubro, Um homem que partiu do seu regresso – “da morte anunciada, ou da vida no ocaso sensível da sua Luz”. E é o homem igual a si próprio que escreve os versos, o doente da cama 33 da enfermaria B do serviço de neurocirurgia do Hospital da Universidade (“só e sempre no SNS”, disse-me); o homem que, “ardendo em dor”, a morte rondando, a 17 de junho, sabendo dos incêndios na zona de Pedrógão, na cama 33, escreve que é preciso “limpar as matas para limpar o país/ da lepra dos negócios sujos”, que “é urgente povoar Portugal:/ dar Portugal ao povo.
(Artigo publicado na VISÃO 1292, de 11 de janeiro de 2018)