Estava a tentar ver se me fintava ao tema, temendo não ter distanciamento suficiente. Acontece que o assunto perdura, e entre a desprezível xenofobia e o defensor romântico e hipócrita da comunidade, já vi de tudo. André Ventura alegou mesmo, e muitos e até bem pensantes lhe deram razão, que as pessoas que o criticaram nunca viveram problemas com ciganos. Pois bem, eu acabei de os viver, e ainda assim acho o discurso do candidato laranja a Loures perigosamente populista e as suas declarações inadmissíveis.
A história não tem nada de novo e conta-se de uma assentada: há cerca de três meses, uma família ocupou um terreno meu e dos meus pais. O espaço estava vedado, e para entrarem tiveram de arrombar o portão fechado a cadeado e também a porta de casa. Bom, mas quando um ladrão entra numa propriedade privada, chama-se a polícia e o caso fica rapidamente resolvido, certo? Errado… e aqui é que começa o problema. Após uma queixa às autoridades, nada aconteceu. Era preciso aguardar pelo agente que estava de férias e tinha “jeito para falar com eles”. Veio o guarda, simpático, que foi conversar com o senhor. Com calma, para não arreliar “o cigano”. Deu-lhe uns dias para sair, “vá lá que o dono não o quer cá”, e nada. O meu pai, que tem tanto de corajoso como de inconsciente, foi até lá. A conversa começou bem, acordaram um mês para o senhor sair, mas acabou com o “ocupa” a dizer que ia buscar a faca de mato. Findo o prazo acordado, ainda lá estavam. Para o caso não se eternizar, foi preciso contratar um advogado, instaurar uma providência cautelar, e só com uma brigada de intervenção de cinco agentes é que a casa foi desocupada. Com direito a mais ameaças de morte, insultos e tentativas de extorsão, aos quais as autoridades, fragilizadas e entre a espada e a parede, preferem fechar os olhos…
A mim tanto se me dá que tenham sido ciganos, brancos, pretos ou amarelos – foram pessoas que cometeram crimes. O problema está na condescendência do sistema (e da brigada do uber-politicamente correto) e no facto de deixarmos cidadãos, sejam eles quais forem, viver à margem da lei. O problema está em fechar-se os olhos e nos demitirmos de fazer valer o Estado de Direito, tratando de forma diferente quem tem de ser tratado igual, para o bem e para o mal. O problema está em se querer direitos sem os deveres, independentemente do sexo, credo ou etnia. Mas generalizar e meter todas as pessoas dentro do mesmo saco, apelar a um discurso do ódio, fazer parangonas apontando o dedo a toda uma comunidade é que é o caminho da desgraça. Um partido como o PSD não pode admitir isso. Foi assim que vimos nascer e crescer um Trump, e, com as devidas distâncias, um Hitler.
Opinião publicada na VISÃO 1273 de 27 de julho