
Marie-Lan Nguyen
Teseu foi o herói grego que enfrentou o Minotauro e salvou a princesa Ariadne.
A grande dificuldade não era propriamente enfrentar a monstruosa e bovina criatura, era mesmo o labirinto onde este ardiloso vilão mantinha cativa a desditosa princesa. Todos os que se aventuraram pelo labirinto de Dédalo acabavam por se perder. Teseu foi salvo por um fiozinho que foi largando pelo caminho e que lhe permitiu regressar ao lugar donde havia partido na sua heroica empreitada. O fio de Ariadne é o fiozinho que permite regressar sempre ao local da partida, desfazendo o caminho que foi feito. Todos nascemos com um fiozinho de Ariadne agarrado, um frágil cordão de linha que nos prende ao lugar de onde nascemos. À casa, à família, aos lugares da infância.
Calcorreamos o planeta como quem se aventura por um labirinto, mas há sempre o tal fiozinho umbilical a ser constantemente recolhido pelo carreto da raiz, exercendo em cada um de nós uma força, confortável e incómoda, que puxa levezinho, constantemente. Mas depois, com o passar do tempo, as pessoas e os lugares vão desaparecendo aos poucos, até que esse fio, de tão esticado, se parte em definitivo. Talvez seja isso a entrada na “vida adulta”. Um dia reparamos e, sem dar por isso, passamos nós próprios a ser o carreto que puxará o fiozinho de nylon que agarrará os nossos filhos à casa da partida. É quase como deixar de ter direito ao nosso lugar, para passar a ter o dever de ser o lugar de outros. Passar a ser eixo. Se uma pessoa fizer isso direitinho um dia os nossos filhos recolhem o fio deles e embrulham tudo num cesto de boas lembranças, que é como as minhas são. Os meus pais, as praias de Ofir, a casa da minha avó, principalmente a casa da minha avó. Bizarra, com pessoas únicas, originais, varridas. Até o fantasma dum velho havia por lá. Era uma casa de mulheres, comandada por mulheres. A normalidade que me foi oferecida logo à nascença distanciava-se muito da norma que pude mais tarde constatar na infância dos meus amigos. O vórtex implacável que puxa tudo e todos para o epicentro da norma não passou seguramente por aquela casa. Do que eu me safei. Não trocava a minha infância por mais nenhuma. O fio de Ariadne que me prendia à Giesta pode ter partido de tão esticado pelas andanças da vida mas se me quiserem levar as lembranças vão ter que se haver com o chicote de couro que a minha avó tinha pendurado na porta de trás da dispensa para correr com os gatunos. Espero que os meus filhos possam um dia pensar o mesmo daquilo que a minha mulher e eu estamos a tentar fazer por eles.
(Crónica publicada na VISÃO 1269 de 29 de junho de 2017)