Donald Trump vai ser o próximo Presidente dos Estados Unidos porque usou sempre o mesmo princípio estratégico em todos os momentos da longa campanha eleitoral: dizer apenas as verdades que os seus apoiantes queriam ouvir – mesmo que fossem mentira.
O mais doloroso (para mim, reconheço…) não é a estratégia em si, mas a razão porque ele a utilizou até à exaustão. Donald Trump foi o primeiro a perceber (e a usar a seu favor) a irrelevância em que caiu uma das maiores instituições da democracia americana: a imprensa livre. Em especial, a capacidade de influência dessa mesma imprensa livre, justamente temida, durante tanto tempo, pela sua capacidade de fiscalização e suficientemente forte para conseguir derrubar políticos poderosos e fazer abanar os poderes estabelecidos.
Donald Trump percebeu que o antigo tigre é agora de papel (e, literalmente, com cada vez menos papel, ainda por cima…). Ao longo de ano e meio, Trump construiu a sua candidatura sem se preocupar minimamente com o que era escrito sobre e contra ele nos mais importantes e prestigiados órgãos de comunicação social das maiores cidades americanas. Para ele, um editorial do New York Times ou do Los Angeles Times tinha tanta importância como uma crítica gastronómica no China Daily, no Le Monde ou no The Times of India – nenhum desses textos seria relevante para os seus apoiantes.
Por isso, chegou ao dia das eleições sem se ralar minimamente com a coligação quase unânime de jornais e revistas contra ele. Do New York Times à Vanity Fair, do Houston Chronicle (sim, do Texas!) ao Star Tribune (de Minneapolis), passando pelo USA Today, a New Yorker, a Scientific American, a Atlantic, mais de 500 publicações desaconselharam o voto em Donald Trump. E fizeram-no, em muitos casos, através de artigos assinados pelos mais reputados intelectuais, analistas e cientistas, alguns deles galardoados com o Prémio Nobel. E depois? Tudo isso foi irrelevante para quem votou em Trump, o candidato apoiado por apenas 25 jornais, dos quais somente dois (The Florida Times-Union e o Las Vegas Review Journal) ostentam uma circulação acima dos 100 mil exemplares.
Os tempos mudaram. Basta ver os números de circulação dos jornais e revistas na América – e possuir uma resiliência especial para não se ficar impressionado com a diminuição do número de leitores. Claro que me podem dizer que o New York Times anuncia, todos os anos, ter aumentado o número de assinantes da sua edição digital e que tem hoje, dizem, uma audiência maior do que nos tempos em que detinha tanta força que até conseguiu batizar com o seu nome a confluência entre a Broadway e a 7ª Avenida, em Nova Iorque (sim, foi por isso que a Longacre Square se transformou em Times Square). Mas a verdade é que a maior fatia dessa circulação – e influência – se deve ao aumento de leitores no estrangeiro (como eu…), e fruto de uma estratégia de afirmar o título como uma marca global – que nada tem a ver com os eleitores que votaram em Trump. Esses, percebe-se, não querem a verdade analítica e rigorosa. Querem apenas a verdade inscrita na promessa de que a América pode voltar a ser grande – mesmo que isso seja mentira.
PS: Ao escrever este texto sobre verdades e mentiras lembrei-me, várias vezes, de uma das melhores cenas de sempre do cinema americano: o diálogo entre Joan Crawford e Sterling Hayden, em Johnny Guitar, o mítico western de Nicholas Ray. E arrepia-me poder pensar que estes dois personagens de um filme que amo pudessem ter sido, tantos anos depois, votantes de Donald Trump (a ação passa-se no Arizona… onde Trump ganhou).