Existem naturalmente diferenças, divergências, o BE não está imune à crítica, tal como nós – é evidente” (Jerónimo de Sousa, DN de 7.10.16)
Em dezembro, o PCP realiza o seu congresso, o vigésimo. Queixam-se os comunistas que a comunicação social não lhe dá a devida atenção. Dizem os jornalistas que aqueles congressos não têm qualquer novidade.
Fui ler as teses para o congresso, à procura de encontrar alguma novidade que não fosse a saída de Jerónimo de Sousa ou a eleição de um seu adjunto, anunciadas pela fantasia sensacionalista de alguns jornalistas.
Não me surpreendeu ver o próprio Jerónimo a rejeitar taxativamente tais cenários, aliás com um argumento insuperável: “uma profunda confiança e uma profunda solidariedade” dos seus camaradas. Não vejo como podia ter sido de outra forma: naquelas páginas, não há uma só linha sobre o assunto e, mesmo um partido com regras tão invulgares, não muda a liderança sem dar uma palavra aos militantes.
O texto é longo, são 81 páginas. Não encontrei propriamente novidades, no sentido de ideias ou posições novas, mas algumas afirmações são, de facto, surpreendentes.
Surpreende que o distanciamento crítico de anteriores congressos face ao modelo soviético tenha dado lugar ao elogio: “(…) a União Soviética, e ulteriormente o campo dos países socialistas, constituiu o principal fator de conquistas sociais e de extraordinários avanços revolucionários do século XX”, cujas “realizações políticas, sociais e culturais puseram em evidência a superioridade do novo sistema social”.
E mesmo a citação de Lenine, escolhida para evidenciar que o modelo do PCP não se confunde com aquele, não convence: “Todas as nações chegarão ao socialismo, isto é inevitável, mas chegarão todas de modo não exatamente idêntico (…)”. Se Lenine tiver razão, então, as diferenças são mínimas como, aliás, se verificou no chamado “campo dos países socialistas”.
É surpreendente que, sendo a China um pilar da globalização capitalista e uma sociedade marcada pela superexploração da força de trabalho e pela ausência de direitos políticos, o PCP ainda insista em apresentar a China como um dos países que afirmam “como orientação e objectivo a construção de sociedades socialistas” e “um importante fator de contenção aos objetivos de domínio mundial do imperialismo”.
Surpreende, também, que o PCP não inclua Angola no lote desses países. Aliás, sobre Angola e o MPLA não há uma só linha, um tema incómodo que fica por discutir. Quanto aos PALOP, nem uma palavra, também.
Sobre a UE, apesar da repetida afirmação do “inalienável direito do povo português de decidir do seu próprio destino”, fica por perceber como propõe o PCP que os portugueses exerçam esse direito. O referendo não consta do texto.
O PCP olha para a luta social com um filtro: só vê e valoriza o que existe por sua influência, o que traduz e acentua o seu afastamento do movimento social e das suas lutas, das novas realidades e forças que emergem. O movimento “Que se lixe a troika” (organizou as maiores manifestações dos últimos 40 anos) ou a associação APRe! (mobilizou os reformados para a luta social como nunca se tinha visto) são completamente ignorados e excluídos da dinâmica social.
Sabemos como é ténue a fronteira que separa vanguardismo de presunção e de como esta faz a opinião derrapar com facilidade para o excesso, nuns casos como ofensa – a luta pela igualdade de género é retratada como “subordinação à agenda da UE” e “os movimentos apresentados como inorgânicos…” são acusados de beneficiar da “cobertura, apoio e estímulo do grande capital” – e noutros como caricatura – “… o Congresso das Alternativas, Tempo de Avançar, Agir… tiveram… a expectativa …de poderem contribuir para a contenção… eleitoral do PCP”.
Termino com o que mais importa, o compromisso do XX congresso: “uma solução política cuja durabilidade depende diretamente da adoção de uma política que assegure a inversão do rumo de declínio e retrocesso imposto pelo governo anterior e corresponda aos interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo. É fundamental evitar que a política do governo PSD/CDS-PP regresse, seja pela mão destes partidos ou do PS”. Não posso estar mais de acordo, é uma boa plataforma para o diálogo e a convergência da esquerda.
(Artigo publicado na VISÃO 1232, de 13 de outubro)