Há pessoas que realmente falam muito alto. Estou neste momento sentado no avião a caminho de Londres. A minha intenção era escrever durante o voo, mas o destino escolheu o meu lugar mesmo ao lado de duas senhoras que falam com um volume “um pouco elevado”, e ainda não foi possível concentrar-me suficientemente para escrever seja o que for. Ler também não consigo. A minha sorte foi ter alugado um documentário no Itunes e conseguir ocupar 94 minutos do voo de auscultadores. Serei eu demasiado sensível ao que se passa à minha volta? A verdade é que não sei lidar com algumas situações o que me impede de por vezes ser produtivo, e outras vezes de usufruir em pleno de determinados momentos. Estou a lembrar-me do concerto dos Muse no Meo Arena há uns dias atrás. Todo o concerto foi visualmente incrível, um cenário monstruoso, o som intenso. no entanto. à minha frente estava uma menina que claramente não sabia controlar a constante necessidade de sacar do telefone para filmar tudo o que se passava.
Aliás, reparei que à volta estavam filas e filas de gente a ver um concerto gigante através do ecrã do seu smartphone. Filas de amigos, parados de telefone à frente sempre a filmarem.
Namorados, cada um com o seu telefone a filmar exatamente a mesma coisa de um ângulo 30 cm mais ao lado. Senti-me no filme Matrix, rodeado de humanos de cérebro ligado a uma entidade artificial diabólica que os controlava a todos! Ora bem, isto começou a inquietar-me o organismo, principalmente porque a menina que estava sentada à minha frente levantava constantemente o telefone de tal maneira que eu já não estava a ver os Muse, estava a ver o telefone da menina, com os Muse em fundo. À decima música não me aguentei. Toquei-lhe e disse-lhe “olhe desculpe, se estiver sempre com o telefone à minha frente eu não consigo ver o concerto” e sorri. Ela ficou com um ar muito assustado, pediu desculpa, guardou o telefone e eu fiquei a sentir-me o maior castrador do divertimento alheio! Nas duas músicas seguintes a menina ficou sentada.
Por momentos pensei que estava até a aproveitar o concerto. mas aos poucos foi ficando impaciente a amiga que estava ao lado reparou, abraçou-a com carinho, puxou-a para junto dela, sacaram as duas cada uma do seu telefone e retomaram a gravação integral do concerto, espremidas uma contra a outra! “Mas para quê?” pensei eu, “será que vão ver estas imagens alguma vez na vida? Vão fazer uma montagem? Como é que aqueles telefones têm espaço para tanto filme!? ” Outra coisa que também me inquieta são aquelas pessoas que numa fila têm que estar sempre a tocar na pessoa da frente como se a fila avançasse mais rapidamente se for pressionada. Fazem-me confusão os ocidentais que não têm noção das distâncias de conforto. Digo “ocidentais” porque está estudado que existem diferentes distâncias de conforto para diferentes povos: Estava eu no Mali em pleno Festival du Desert em Essakane a ver um concerto com os pés na areia, quando sinto um ombro a encostar-se ao meu. Olho e ao meu lado, de turbante, está um Touareg com ar de assassino a mirar o palco. Estranhei porque não havia quase ninguém a assistir ao concerto, havia espaço suficiente para ninguém se tocar e até poder dançar. Dei um passo para o lado. Eis que minutos depois, lá estava o senhor de novo colado a mim, sereno, concentrado na música. Deve ser “cultural” pensei eu, e lá fiquei com o meu novo amigo Touareg, ombro a ombro, no meio do Sahara. Nesse dia aprendi uma lição que me podia ser bastante útil caso me lembrasse dela mais vezes: “Tiago, relaxa, adapta-te”.