Um dos mais graves problemas da economia portuguesa durante toda a sua experiência enquanto membro da União Europeia tem sido a incapacidade para afirmar os seus produtos e serviços nas condições de abertura e competição internacionais que essa experiência criou. Em meados-finais dos anos 80, a importância das exportações na produção nacional (medida enquanto percentagem do PIB) estava dentro da média dos países que viriam a criar a União Económica e Monetária (o euro) em 1999: à volta de 30%. Em certos países pequenos como Portugal (Áustria, Dinamarca, Suécia ou Finlândia), essa percentagem era idêntica. Em 2010, pouco antes da crise do euro, era muito maior em todos eles, entre 45% e 65%, mas a mesma em Portugal. Noutros países pequenos (como a Bélgica, a Holanda ou a Irlanda), em que a percentagem já era maior, ainda maior ficou. Em 2010, Portugal, enquanto país exportador, estava muito abaixo da média dos países do euro e apresentava um perfil semelhante ao de países grandes, onde a importância do mercado interno é maior, como a Itália, a França, a Espanha ou o Reino Unido. Entre 2011 e 2015, o peso das exportações no PIB português subiu. Mas isso não se deveu a um comportamento excepcional dessas exportações. Deveu-se antes à queda brutal do PIB. Apesar disso, a percentagem situa-se ainda nos 40%, abaixo (por vezes muito abaixo) dos países pequenos do euro e da União Europeia.
Para além de resultar de uma insuficiência competitiva estrutural, esta situação tem origem também na política monetária e cambial seguida pelos governos portugueses desde a adesão à Comunidade Económica Europeia em 1985. Desde essa altura que a moeda portuguesa, então o escudo, começou a valorizar-se em relação aos parceiros europeus. Os anos anteriores, a começar em 1977, tinham sido marcados por uma política cambial que procurava dar competitividade às exportações através da desvalorização deslizante do escudo: era o chamado crawling peg. O crawling peg pode ser considerado um sucesso, se visto enquanto política de competitividade; na sua vigência plena as exportações subiram de cerca de 20% do PIB para 30%, onde ainda estavam em 2011. O seu problema era não ajudar ao controlo da inflação. Por isso, começou a ser abandonado em 1985, com a redução da desvalorização, e foi completamente abandonado em 1990. Em 1992, o escudo foi integrado no Sistema Monetário Europeu (SME), um mecanismo de câmbios fixos mas ajustáveis. A conjugação entre um câmbio estável, uma inflação apesar de tudo alta em comparação com os principais parceiros e uma crescente abertura às importações da Europa, deteriorou a competitividade da exportações portuguesas. O escudo apreciou-se 30% em termos reais entre 1989 e 1992 e as exportações não voltaram a aumentar o seu contributo para o PIB.
Em 1999, Portugal fez parte dos membros fundadores do euro, numa altura em que o escudo estava ainda sobrevalorizado, continuando a penalizar as exportações. Na primeira década do século, as taxas de juro foram ficando cada vez mais baixas, em consequência da adesão ao euro, mas o diferencial de inflação entre Portugal e os países da União Europeia não se reduziu à mesma velocidade. O endividamento e o consumo privados foram, portanto, estimulados, e as exportações ficaram cada vez menos competitivas. Daqui resultou uma verdadeira explosão do endividamento externo, que rebentou nas mãos dos portugueses em 2010. Ou seja, a política monetária e cambial seguida a partir da segunda metade da década de 80 favoreceu os sectores vocacionados para o mercado interno, aquilo a que os economistas, no seu jargão, gostam de chamar sectores “não-transaccionáveis”.
Tornar a economia portuguesa mais competitiva é o ponto mais urgente de qualquer agenda de reformas que Portugal faça. Mas será sempre um processo demorado, que levará os corações mais fracos ao desespero. E exige um grande grau de cooperação entre os agentes económicos e sociais para a qual nem sempre se vê disponibilidade.
* Luciano Amaral é Professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e autor do ensaio da FFMS ‘Economia Portuguesa, os últimos anos’