Stephen Bush, colunista do Financial Times, escreveu um artigo que selvaticamente traduzido para português teria o título: “Não ajuda sermos velhos do Restelo no que respeita à demografia.”
Não é que a receita do Velho do Restelo seja propriamente boa para encontrar soluções, mas, tal como o nosso conhecido velhote, não vejo razões para grande otimismo.
É sabido que as taxas de fecundidade estão em acelerado decréscimo a nível mundial. Passaram de 6,5 filhos por cada mulher em 1960 para 2,3 em 2022.
Para que ainda estejamos acima de 2,1 contribuem decisivamente o continente africano e alguns países asiáticos, mas até nesses lugares a quebra de nascimentos está a ser muito rápida.
Na China é 1,0, na Índia 1,9, na América Latina 1,8, nos Estados Unidos 1,81 e na nossa União Europeia 1,38.
Resumindo, dois terços da população mundial vivem em países que estão abaixo da taxa de reposição populacional – número médio de filhos que uma mulher precisa de ter para que uma geração seja substituída pela seguinte, mantendo o tamanho da população estável.
Nasci em 1966. Em Portugal, nasceram nesse ano 3,14 filhos por casal, em 2022 nasceram 1,43 – menos de metade.
A seguir a estes números podiam vir os que mostram que os países que maior quebra de nascimentos tiveram são os mesmos em que as condições de vida mais melhoraram. Comparar o apoio que as famílias tinham em 1960 nos países desenvolvidos com o que agora têm não é sequer um exercício que valha a pena fazer.
O exemplo português é bastante: nunca houve tanto apoio à maternidade, nunca houve tantas condições para as pessoas terem filhos e nunca houve tão poucos nascimentos. Basta pensar que estamos a caminho de um processo que garantirá, por exemplo, creche gratuita para todos e que a maioria das famílias de facto já a tem. Subsídios e mais subsídios. Nada resulta.
Claro que entraram na equação outras variáveis. O papel da mulher na comunidade é provavelmente o principal. Desde a capacidade de programar a gravidez até ao direito de ter uma carreira profissional, passando pela partilha de tarefas domésticas. E, claro, estamos a falar dos últimos 50, 60 anos, longe dos tempos em que cada filho representava mais braços para o trabalho.
Não ponho de lado, evidentemente, a mais do que legítima opção por ter uma vida sem os constrangimentos e sacrifícios que os filhos sempre trazem.
Por outro lado, a abundância trouxe um enorme conjunto de prazeres e atividades diversas que, lamento a crueza, concorrem com a paternidade. O hedonismo apresenta-se sempre de várias formas.
Os factos são o que são: não há política pública que consiga que as pessoas tenham mais filhos. A Hungria, por exemplo, levou recentemente a cabo uma das mais agressivas políticas de incentivo à natalidade e tem sido um fracasso completo. O mesmo se pode dizer das políticas que os escandinavos promovem há muito tempo.
A falta de renovação populacional gerará um mundo onde os velhos serão absolutamente preponderantes: menos inovação, menos criatividade, menos dinâmica, menos novas ideias. Ia escrever mais conservadorismo e mais apego a velhas ideologias, mas a realidade atual parece desdizer isso, ou então os mais jovens estão velhos antes do tempo.
O modo como nos organizamos como comunidade e aspetos que consideramos dados adquiridos terão enormes mudanças. A saúde gratuita para todos será uma relíquia do passado, pensões como as que temos, uma distante miragem. Um universo de hospitais, de casas de repouso. Um mundo de hegemonia política total dos velhos que potenciará ainda mais envelhecimento, já que os recursos serão dirigidos para eles e cada vez menos para os mais novos.
Nunca houve tanto apoio à maternidade, nunca houve tantas condições para as pessoas terem filhos e nunca houve tão poucos nascimentos. Estamos a caminho de um processo que garantirá, por exemplo, creche gratuita para todos e a maioria das famílias de facto já a tem. Subsídios e mais subsídios. Nada resulta
Países habitados por gente solitária, sem redes familiares, sem comunidades, que precisará inevitavelmente do apoio do Estado para tudo.
Um Portugal que, sem imigrantes, teria apenas seis milhões de habitantes em 2100 não teria recursos para distribuir por menos gente, seria uma pobre casa de repouso.
Se estamos aparentemente a salvo dessa distopia é porque a imigração vem cobrindo esse défice populacional.
Aqui, aliás, entra um paradoxo com o qual vivemos todos os dias: as populações sentem-se ameaçadas pela imigração, mas não querem perder os benefícios sociais que só os imigrantes podem dar-lhes.
Mas há aqui dois pontos tristemente interessantes.
O primeiro é que as populações que vêm para Portugal, ou vão para outros países, tinham muitos filhos nos locais de origem, mas rapidamente se adaptam e deixam de os ter. Eis um aspeto em que a integração é muito rápida.
O segundo é que dependemos de um mundo muito desigual, injusto e não solidário. Ou seja, nós precisamos que existam países onde a miséria impere para que não nos falte gente para trabalhar nos nossos.
É uma conclusão horrível, mas há outra pior. A que diz que a prossecução do nosso bem-estar e a sua promoção em locais que ainda não o têm conduzirão a algo muito próximo da extinção da espécie. Se de facto a sociedade de abundância faz diminuir muito os nascimentos, não há como não pensar que será ela a contribuir para, no mínimo, um mundo muitíssimo diferente. Para tornar isto tudo mais confuso e imprevisível, diria que nem o mais otimista dos seres pensa que há um caminho irreversível para o bem-estar global e muito menos para o fim das desigualdades entre povos e também dentro das comunidades.
O dadaísta Picabia dizia que as nossas cabeças são redondas para que as nossas ideias possam mudar de direção. Acrescento que o mundo tem dinâmicas impossíveis de prever e menos ainda de controlar.
Por outro lado, pensar que 50, 60, 100 ou 200 anos representam alguma tendência irreversível tem tanto de arrogante como de ignorante. Ignorante me confesso, preocupado também.
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