Um ministro mentir não será propriamente uma novidade, mas não é um acontecimento banal; um Presidente da República pôr em causa estatísticas oficiais, dizer claramente que tem dúvidas fundadas sobre os números da imigração e sugerir que o Governo toma medidas com base em perceções e não em factos não é assunto corriqueiro; um partido central e fundador da nossa democracia aliar-se a um movimento de extrema-direita em questões vitais não será mais um momento na vida da nossa democracia.
Tirando o segundo ponto, que foi olimpicamente ignorado por quase toda a gente, como se o que o Presidente da República diz não tivesse importância ou por já estarmos todos convencidos de que os factos valem tanto como as perceções, os outros dois foram bastante glosados por muita gente.
Uma organização, porém, se destacou pela tibieza, sendo simpático, no tratamento destes temas: o Partido Socialista.
As mentiras do ministro Leitão Amaro foram denunciadas por deputados socialistas no Parlamento, mas não me recordo de uma declaração que fosse acerca do que disse Marcelo Rebelo de Sousa e apenas passada uma semana vi José Luís Carneiro a reagir à união de facto entre o PSD e o Chega num acontecimento no Bombarral…
Já se sabe que nas redes sociais não seria possível encontrar uma grande campanha comunicacional em que os socialistas tentassem mostrar que são a oposição a esta revolucionária aliança e os temas em que ela se baseia ou onde respaldassem as preocupações do Presidente da República. A razão é simples: o PS não existe nesses espaços.
As redes sociais são, para o bem e para o mal, onde, hoje, em larga medida, se forma a opinião, mas os socialistas escolhem não estar lá. O mundo não é aquilo que gostaríamos que fosse, é o que é; neste momento, ignorar o poder das redes é puro e simples suicídio.
Esperei por entrevistas a televisões com sinal aberto, declarações ao País, comunicados, barreiras comunicacionais. Nada. Seria até um excelente momento para alguém que tem uma imagem, digamos, pouco carismática se afirmar. Aproveitar a exibição da tal união de facto para promover a sua liderança e mostrar que é a verdadeira oposição. José Luís Carneiro preferiu desafiar Montenegro para um acordo sobre Defesa … ninguém nega a importância, mas não perceber que este não era o momento é de uma cegueira política atroz.
O Governo ofereceu ao PS a oportunidade de poder mostrar que é a oposição e, além de tudo, que é moderado e não embarca em posições contra o património da nossa democracia. Ao escolher a aliança com a direita não democrática, o Governo deixou todo um espaço político descoberto, José Luís Carneiro e o seu extraordinário secretariado não quiseram. Preferiram ser invisíveis. Preferiram encolher os ombros quando se fazem acordos iníquos sobre imigração e nacionalidade.
Talvez achem que não fazer oposição, não tentar pôr os dois pés no campo da moderação contra o radicalismo seja confundido com intolerância, com falta de vontade de negociar, com falta de responsabilidade. É exatamente ao contrário.
No fundo, Carneiro dispõe-se a ajudar naquilo que Montenegro não conseguir acordar com Ventura. Quem escolheu o parceiro preferencial foi Montenegro, e, aplauda-se a clareza, não o escondeu nem disfarçou.
José Luís Carneiro não denunciou claramente que o primeiro-ministro preferiu ignorar o PS e que essa escolha faz com que os socialistas estejam libertos de qualquer entendimento com o Governo. É que os acordos de regime entre PSD e PS tornaram-se inviáveis quando alguém toma posições que vão contra os fundamentos do regime e se alia com forças não democráticas.
Irresponsável é não fazer uma oposição clara e vocal, sobretudo quando o Governo escolhe o caminho que escolheu. Irresponsável é ser suave com as escolhas na imigração e nacionalidade do Governo. Irresponsável é ver esta mudança brutal no nosso espaço político-partidário e fingir que está tudo igual. Irresponsável é deixar o País sem oposição.
O PS deixou-se enfiar na conversa autocomplacente da reflexão interna e anda de baraço ao pescoço a pedir desculpa por existir.
Claro que os socialistas cometeram muitos erros enquanto Governo, claro que tiveram uma trágica liderança pós-Costa, mas estranhamente não reclamam nenhum dos méritos. Mais, deixaram a narrativa de que os últimos dez anos foram uma catástrofe ser um dado adquirido. Foi um feito comunicacional ter conseguido que exista esta visão, mas é falsa. Chega a ser patético ver pessoas que nada têm que ver com o PS a terem que fazer essa ressalva.
Nunca houve tanta população empregada, Portugal teve um crescimento económico notável nos últimos dez anos, as exportações bateram pela primeira vez as importações, a Segurança Social está sólida como nunca, o salário mínimo e médio cresceram de forma notável. Sim, os últimos dez anos foram muito bons para Portugal. Basta olhar para os números.
José Luís Carneiro está a impor ao seu partido uma autopunição que pelos vistos o impede de fazer oposição, de denunciar a colaboração do Governo com a extrema-direita e de ocupar o espaço moderado.
Aprender grego ou francês será o próximo passo.
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