No momento em que Kamala Harris subiu ao palco para realizar o seu tão aguardado discurso de vitória, o casal de jovens ao meu lado chorou abraçado. Muitos mais choraram. E aplaudiram efusivamente. E gritaram de felicidade. Brancos, negros, latinos, asiáticos, pessoas de diferentes etnias e religiões. Todos juntos. Sem divisão. Na noite de Sábado em Wilmington, Delaware, era a face da América que estava ali de olhos postos no novo presidente dos Estados Unidos. E eu soube, mais do que nunca, que estava exatamente onde deveria estar. No centro da História.
Antes de decidir estudar jornalismo, a minha mãe tentou demover-me. É uma profissão sem emprego, mal paga, disse-me por inúmeras vezes. Nada disso era – como não o é hoje -, errado. Mas sempre fui apaixonada por ler e contar histórias. Além disso, se me conhecem sabem o quão teimosa sou. Todos temos momentos em que nos questionamos. Questionamos as nossas escolhas, o nosso eu perante as situações. Obviamente, eu não sou diferente. Mas a verdade é que se há algo que jamais questionei foi a minha escolha de fazer jornalismo. Não me imagino de facto a fazer outra coisa. E tem sido, muitas vezes, uma luta. Sobretudo recentemente. Eu sei, ninguém diria. Mas há alguns meses perdi o meu emprego na agência de notícias americana, exatamente porque com a mudança do CEO se começaram a seguir decisões alinhadas com os ideais de Donald Trump, sendo o primeiro a não renovação de vistos estrangeiros para que as essas posições fossem substituídas por americanos. Esta era a América que ele prometeu. Uma América que expulsa cérebros, que expulsa os que encontram neste país as oportunidades que buscam, a segurança que os seus países não oferecem, as condições de vida que nas suas origens são impossibilitadas, a América não multicultural. Senti-me bastante perdida nesse momento, confesso, mas estive sempre certa quanto a um facto: que tinha de cá estar para cobrir as eleições de 2020. Era um pequeno sonho que queria imensamente cumprir. Independentemente do seu resultado.
Esta foi uma semana bastante longa, emotiva, fisicamente dura, mas, confesso, das mais excitantes, em termos profissionais, que já vivi. Muita gente viveu-o comigo através da internet. Como se não houvesse um oceano a separar-nos. E muita gente escreveu a parabenizar-me. Estou de coração cheio. Mas o que realmente não esquecerei foram as mensagens das mulheres que me disseram que viram em mim a possibilidade do que achavam difícil de alcançar. E, impressionantemente, julgo que é essa também a mensagem destas eleições. O do impossível tornado possível. Incluindo a chegada da primeira mulher à vice presidência. Uma mulher de cor. Quantas mulheres, quantas meninas mundo fora não se terão olhado no espelho depois desse momento e dito a si mesmas que sim, que podem sonhar? Quantas mães não trouxeram as filhas à rua, quantas não terão apontado o dedo à televisão para lhes dizer que um dia podem ser elas se o desejarem. Eu vi muitas fazê-lo sábado. E enquanto mulher não posso negar, é como uma viagem à lua a acontecer dentro de nós.
No meio dos festejos uma mulher negra disse: “sou livre novamente.” Este é o poder que um momento político pode ter na vida das pessoas. A capacidade que tem de rasgar caminho, de vestir os países de esperança e de liberdade. É, na verdade, para eles, para os negros, que estas eleições mais importam. A História tem sido tremendamente dura com os afro-americanos. Esta transição não significa, porém, que hoje a América deixou de ser racista, misógina, discriminatória. Os problemas continuam a viver no seio desta nação. É uma mudança que tem de ser coletiva e não apenas governamental. Mas o que a maioria disse a 3 de novembro foi que não quer esta América dividida. Como disse uma das pessoas que entrevistei de lágrimas nos olhos: “venceu o amor sobre o ódio.” Julgo, portanto, que é impossível que alguém olhe para este momento histórico e não o veja como um momento de luz para a América e para o mundo. Venceu a democracia.
Isso é jornalismo. O aco de contar as histórias, estas histórias que carimbam vidas e abrem capítulos novos na História mundial. E é isso que o jornalismo me permite: levar as histórias, as vozes, as emoções àqueles que não as podem ver e ouvir, não as podem sentir, não as podem viver presencialmente. Fazer com que os vossos corpos possam estar naquele momento mesmo não estando.
E esta, tenho de o dizer, esta é a história mais importante que já contei.