Das perguntas que mais me fazem desde que me mudei para o Dubai é se tenho de andar sempre tapada, como é que é o meu estilo de vida e se estar no Médio Oriente é sinónimo de fanatismo religioso. O nosso pensamento é toldado pelos factores que nos rodeiam e pelos dados que nos são transmitidos de todo o mundo. Acaba por se criar uma opinião generalizada mas que nem sempre é 100% exacta.
O Dubai está na moda. Talvez por isso mesmo seja pertinente perceber esta cidade que, até há pouco mais de 20 anos, não passava de um deserto. Bem longe dos olhares do mundo.
O Dubai é um dos sete Emirados, juntamente com Abu Dhabi (a capital), Sharjah, Ajman, Ras al-Khaimah, Fujeirah e Umm al-Quwain, que formam os Emirados Árabes Unidos. É a cidade mais populosa do país, com mais de dois milhões de habitantes, e onde têm lugar as maiores extravagâncias. É como dizer que no Porto trabalha-se e em Lisboa gasta-se o dinheiro, pois aqui é em Abu Dhabi que está o petróleo mas é no Dubai que se ostenta. Tudo é feito em grande, para além das fronteiras da imaginação. Nem o céu é o limite. Tudo vira oportunidade.

A torre Burj Khalifa, a mais alta do mundo, tem 828 m de altura e 163 andares
Alguns dados curiosos que importa referir sobre o Dubai:
– Tem o edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa inaugurado em 2010;
– Tem o elevador mais rápido do mundo que (vejam só a coincidência!) está dentro do edifício mais alto do mundo;
– Tem o maior centro comercial do mundo, o Dubai Mall;
– E claro está que dentro do maior centro comercial do mundo tinha de estar a maior loja de doces do mundo;
– Tem o hotel mais alto do mundo;
– Tem a maior linha de metro sem condutor do mundo. E a segunda também;
– A capital Abu Dhabi tem a montanha russa mais rápida do mundo;
– E desde o ano passado que o aeroporto internacional do Dubai, DXB, passou a ser o mais movimentado do mundo, destronando Heathrow em Londres, LHR.
E podíamos continuar aqui a enumerar os maiores, os mais rápidos e os melhores que compõe o Dubai. É uma cidade sui generis.
As paragens de autocarro têm ar condicionado, o metro tem carruagens específicas e dedicadas para as mulheres e crianças, o fim‑de‑semana é à sexta-feira e ao sábado, construíram-se ilhas artificiais no meio do mar a representar o mundo e o Sheikh do Dubai, que também é o Primeiro Ministro do país, tem 24 filhos, 12 deles da primeira mulher. Mais uma vez se confirma: no Dubai é tudo mesmo em grande!
Aos fins-de-semana os centros comerciais estão para os residentes, como as praias da Costa da Caparica estão em Agosto para os veraneantes: cheios!!! Há um desfile de vaidades entre as mulheres de abaya (vulgarmente conhecida como burka) e os homens de dishdasha, já que estão no espaço de maior exposição e aceitação social. Como o intenso calor que se faz sentir ao longo de quase todo o ano (no verão as temperaturas chegam quase aos 50 graus) limita as actividades exteriores, os centros comerciais são o principal espaço de interacção e congregação. Elas sempre com fortes e elaboradas maquilhagens, vestidas com grandes marcas dos pés à cabeça (denunciadas debaixo de tanto tecido preto pelos sapatos, jóias e malas que acabam por ficar visíveis). Eles numa brancura perfeita da sua kandura, acompanhados das suas (até 4) mulheres.
Um dos episódios que até hoje mais me marcou aqui no Dubai foi o dia da celebração da independência dos E.A.U. relativamente ao Reino Unido, declarada a 2 de Dezembro de 1971. Durante o horário de funcionamento do metro o hino nacional é tocado ininterruptamente, adornam-se os automóveis com as imagens dos líderes do país e os locais vestem-se e pintam a cara a rigor, usando cachecóis com as cores da bandeira e acessórios alusivos ao espírito nacionalista. Celebra-se! Imagine-se no 5 de Outubro ir para a rua gritar “Eu amo-te António Costa”, ou fazer uma tatuagem do Marcelo Rebelo de Sousa e ir comemorar até à Avenida da Liberdade num carro de tejadilho pintado com as caras do Governo. É quase o mesmo sentimento de respeito e agradecimento que temos para com a nossa classe política, não é? Quando em Setembro último 52 soldados emiratis morreram a combater no Yemen, as rádios locais só tocaram o Corão, música clássica e instrumental durante 10 dias. Em sua homenagem.
Há um enorme carinho, admiração e orgulho pela família real. Pelo Sheikh. Afinal, foi a visão do seu pai que permitiu transformar um deserto numa próspera civilização, numa cidade segura, tolerante, de mente aberta e receptiva ao potencial estrangeiro.
Por isso, quando me perguntam pelo meu estilo de vida no Dubai, é fácil responder: praticamente o mesmo. Não ando tapada e não há perigo de ser raptada para um harém. Convivo, saio e divirto-me como o faria em Portugal. Só existe uma ocasião em que as restrições são maiores. O Ramadão. Durante quase um mês, do nascer ao pôr do sol não se pode comer, beber (até mesmo água), fumar e usar linguagem imprópria em locais públicos. E os ombros e os joelhos têm de estar tapados. Em Roma sê romano e por isso há que respeitar as regras do país.
Em suma, vivo numa cidade muçulmana, árabe e bastante recente, há quem a apelide mesmo “sem História”, onde sinto falta do verde e dos parques porque tudo foi construído da areia desértica e onde quase nunca chove, não há o cheiro a terra molhada. Mas que soube ser moderna, inovadora, empreendedora e aberta ao mundo, marcada pelos seus arranha céus constantes, projectos megalómanos e diversidade e mistura de nacionalidades e experiências (90% da população aqui é estrangeira).
O Dubai é a cidade a conhecer para desmistificar algumas ideias e preconceitos que mantemos acerca do Médio Oriente. E perceber que aqui também se tem aquilo que conhecemos como uma vida normal. Filas de trânsito em hora de ponta, horas de espera à entrada das lojas quando sai o novo modelo do iPhone, ir ao ginásio para perder aquelas gordurinhas quando se aproxima o bom tempo depois de passar o ano inteiro a fugir dele. Como vêem é tudo.