Esta semana, a VISÃO publicou uma capa extensa, resultado de um grande trabalho de investigação do jornalista Miguel Carvalho, que durante meses acompanhou André Ventura, a sua entourage e os eleitores do Chega. Para lá dos elogios ao resultado, o tema gerou também dois tipos de contestações distintas: as expectáveis reclamações dos fervorosos apoiantes do partido e as críticas dos que defendiam que não devíamos dar-lhe importância, porque isso amplifica o fenómeno. E esta é uma ideia que é preciso desfazer.
Quando, em todo o mundo, começaram a surgir estes recentes movimentos ultra-populistas, e sobretudo na campanha do Brexit e com Donald Trump, os media tradicionais ficaram claramente fora de pé. Estes eram terrenos novos com os qual não sabiam lidar, onde os políticos perderam o pudor de dizer coisas inimagináveis e a mentira se diluía permanentemente com a verdade. O assombro geral ditou um enorme interesse mediático. E uma cobertura exaustiva, quase obstinada e viciante, de tudo quanto dali vinha. Quanto mais boutades e alarvidades diziam Nigel Farage e Donald Trump, mais atenção e cobertura mediática recebiam, maior impacto nas redes sociais e nas respetivas bolhas conseguiam. O que para muitos, a começar pelos meios mais mainstream, eram evidentes falsidades, uma simplificação obtusa ou uma ofensa grave dos direitos e princípios humanos fundamentais, para muito boa gente era música para os seus ouvidos. O indizível tornou-se admissível, e a partir daí foi uma bola de neve. Cometeram-se erros, é certo.
Convencionou-se pois dizer que foram os meios tradicionais que catapultaram estes fenómenos e que os fizeram crescer. Na verdade, bem vistas as coisas, não foram os maiores responsáveis. A esmagadora maioria deste eleitorado já estava (e está) afastado dos órgãos de comunicação tradicionais há muito. Estas eram pessoas que já não liam jornais ou revistas nem viam canais noticiosos, onde os assuntos eram tratados com profundidade. Este eleitorado já só se informava (e informa) pela internet, a fazer scroll por aí abaixo, nas suas bolhas de amigos, fechados no seu pequeno mundo. Para lá da timeline, cujo algoritmo alimenta apenas com o que aquela pessoa e os seus amigos querem ver, é como se não existisse um mundo lá fora. Foram as redes e as poderosas formas de comunicar viralmente, onde os ressentimentos, os ódios e as mentiras se alastram como tsunamis, que agigantaram os populismos. O próprio Farage o disse: “sem o Youtube e as redes sociais não existiria Brexit nem Donald Trump”.
Esquecendo isso, muitos defenderam e continuam a repetir que os órgãos de comunicação social “responsáveis” e “de referência”, com todas as aspas que estas expressões merecem, devem abster-se de cobrir partidos populistas e extremistas, não amplificando as suas mensagens. Por cá, muitos acreditam que o Chega deve ter esse tratamento. Ouvi-o agora a propósito da capa da VISÃO: “mais vale ignorar, quanto mais falam dele, mais ele cresce”, alegam alguns.
Isso é um erro crasso. Vetar estes fenómenos a uma espécie de clandestinidade, mantendo-os num gueto e empurrando-os a uma espécie de submundo, é a pior coisa que deve ser feita. Tanto para os Órgãos de Comunicação Social, como para o resto dos políticos que se prezem. É de uma perigosa miopia que as ditas “elites” se fechem sob si próprias e se arredem do que ocupa e preocupa uma franja cada vez maior da sociedade. Uma atitude de superioridade intelectual que agrava ainda mais o fosso entre o povo e os políticos e as academias que vivem nas suas bolhas privilegiadas. Algo que, como é sabido ao longo dos tempos deu tantas vezes origem a perigosas convulsões.
É preciso, sim, procurar perceber este eleitorado, saber ler o que lhes vai na alma, tentar chegar a ele de outras formas, desfazendo os nós em que se enlaça e falando-lhe com a simplicidade possível – mas com a veracidade que tantas vezes falta nos populistas – dos seus medos e preocupações.
Aos media responsáveis cabe a complexa tarefa de não deixar à margem um fenómeno que, a atender pelas sondagens, têm cada vez maior relevância social. Tem de o fazer sem procurar o clickbaite nem papaguear mensagens que violam princípios fundamentais ou falsidades sem fazer imediatamente o contraditório. Mesmo o que para muitos possa parecer tão óbvio que é auto-explicativo, deve ser trocado por miúdos. E cumpre, acima de tudo, revelar, com profundidade e a sempre necessária isenção, as controvérsias e as incongruências internas, as influências perigosas e os jogos de interesses ocultos, expondo estes novos partidos ao mesmo grau de escrutínio que têm os partidos que há mais anos por cá andam. Sem condescendências, sem arrogância nem superioridade intelectual e, sobretudo, sem medo.