Sabemos que alguma coisa está a mudar na forma como os homens se olham quando a revista norte-americana GQ, um bastião de testosterona há 88 anos, coloca na capa o cantor Pharrell Williams com um vestido de folhos até aos pés amarelo-canário, olhar firme e mãos pousadas docemente sobre o peito, com o título “A Nova Masculinidade”. Toda a edição, que saiu há três meses, é dedicada ao tema dos novos papéis do homem, pensando, claro, nas sociedades desenvolvidas ocidentais. Agora que as mulheres estão cada vez mais a emancipar-se, agora que elas trabalham, são autónomas e financeiramente independentes, agora que lhes é reconhecida inteligência, competência e um lugar de mérito na sociedade, que lugar sobra, afinal, para eles? Que papel deve hoje vestir um homem, no século XXI, quando as mulheres se despiram do velho papel submisso a que foram sujeitas durante séculos?
O mais curioso é que, embora falte ainda tanto para que as mulheres conquistem uma paridade efetiva na sociedade – segundo o Fórum Económico Mundial, teremos de esperar 256 anos –, os homens começam a sentir-se realmente ameaçados e a entrar numa espécie de crise existencial. Crise esta que, como bem tratou a revista The Atlantic na última edição, se faz sentir cada vez mais nos rapazes adolescentes, divididos entre os modelos de masculinidade – a que alguns chamam tóxica – do passado (machistas, durões e muitas vezes opressivos e violentos sobre a mulher) e um novo papel que não percebem bem qual é. Falta-lhes, é verdade, exemplos reais sobre como devem ou não comportar-se, agir e pensar, sobretudo quando os pais ainda repetem os padrões que vêm de trás.
Enquanto se adensa o apaixonante debate que divide, para um lado, feministas (incluindo homens, que felizmente também os há) e, para outro, reacionários saudosistas do velho papel feminino (incluindo mulheres, que infelizmente também as há – vejam só o crescimento do movimento tradwife que advoga a dona de casa submissa e abnegada), há um tema que tende a ficar esquecido. A discussão, as reivindicações e os clamores sobre igualdade de género versam sobretudo o que se passa no espaço público: nas empresas, na política, nos cargos de chefia, nos salários, nos espaços de opinião. E descura-se, afinal, o que se passa dentro de casa. Como dividem eles e elas as tarefas quando chegam aos seus lares, se descalçam e simplesmente vivem a sua vida “normal” em família?
Para mim, este é um tema fundamental. Na verdade, nutro por ele um pasmo assombrado, que tem crescido nos últimos anos. Porque vejo muitas mulheres da minha geração, feministas das portas para fora, desenvoltas, inteligentes e reivindicativas no espaço público, a comportarem-se como “donas de casa” dos anos 60 nas suas vidas pessoais. A repetirem os velhos padrões das suas mães, a assumirem a esmagadora maioria das funções domésticas como suas “porque sim” e a acharem normal a absoluta desigualdade em que, afinal, vivem dentro de portas. São elas que tratam da roupa, das limpezas, das arrumações, são elas que vão ao supermercado e destinam as refeições, são elas que acompanham os filhos nas atividades, que os levam ao médico e que ficam em casa quando eles estão doentes. E quando ambos se sentam finalmente no sofá, eles desfrutam tranquilamente do seu tempo de pausa, e elas ficam mentalmente a fazer listas de tarefas. E nem se queixam muito, porque eles até são “queridos”, e lá vão “ajudando” qualquer coisa. Atente-se aos verbos e à força das palavras: ajudar, e não fazer.
Acredito que a paridade começa em casa, nas tarefas mais pequenas e rotineiras. E acredito que é também com estes modelos familiares que construímos as próximas gerações. Por isso, considero fundamental este debate. Uma discussão para a qual a VISÃO deu o seu contributo com o estudo que realizou, em parceria com o IKEA, sobre a divisão das tarefas domésticas e familiares, e que trata nesta edição. Os resultados não surpreendem: elas fazem muito mais do que eles, mas aguentam e nem se queixam muito, porque foram educadas assim. E eles acham que fazem muito porque dão uma mão. Felizmente, nota-se também neste estudo uma clara evolução na mentalidade das novas gerações, em que as tarefas são efetivamente mais repartidas. Ficaria desolada se as minhas filhas e os meus filhos repetissem os erros da minha geração.
Não podemos admitir uma espera de 256 anos, e talvez seja bom começar a mudar pela nossa própria casa.