O momento é simbólico para a Europa: esta semana ficou marcada pelo fim de uma longa crise da dívida europeia que pôs em sério risco o euro. Vista de longe e olhando só para dois ou três grandes números, a saída da Grécia do programa de assistência financeira até parece caso para celebrar. Finalmente, o povo grego vê-se livre de oito anos de austeridade forçada, e pode agora finalmente gozar do estatuto de “membro pleno” da Zona Euro, com contas públicas reequilibradas, crescimento das exportações (+25% num ano) e PIB em crescimento (1,4% no ano passado).
O problema é que a realidade muitas vezes escapa aos grandes números. O diabo está nos detalhes, é sempre assim. E os grandes números não mostram o país destroçado que ficou depois de passar a vaga de austeridade. Não é preciso escavar muito para perceber que ainda há bastante para recuperar desta “ajuda” europeia.
Um cartoon da Economist não podia colocar as coisas em melhor perspetiva: mostra um pequeno bote grego esburacado a afundar-se e um enorme e sólido navio europeu que oferece uma solução questionável: um cabo ao qual os gregos têm de se segurar para não irem ao fundo. O barco, esse, continua esburacado e a afundar-se…
Os números finos mostram uma Grécia em estado desolador. Décadas de má gestão das contas públicas, encapotamento de dívida e clientelismo deixaram a economia e as finanças em falência perante a crise financeira mundial. E os remédios impostos para sair deste estado cortes brutais na despesa pública e reformas do estado burocrático e ineficiente que ascenderam a 72 mil milhões de euros (cerca de 40% do PIB) deixaram o país a agonizar ainda hoje.
A economia encolheu em um quarto desde o início da crise a Grécia é o quarto país mais pobre da Europa, apenas atrás da Bulgária, da Croácia e da Roménia. Há um terço da população em risco de pobreza e o desemprego, embora a cair ligeiramente, ainda está nos 20%. Quase metade dos desempregados está nesta condição há mais de um ano. Meio milhão de jovens gregos e educados viu-se obrigado a sair do país.
O salto nas exportações é periclitante: foi feito sobretudo à custa de uma subida em petróleo e derivados, um produto fortemente dependente da procura externa e com preços flutuantes. Os bancos estão atolados em dívida má: quase metade dos empréstimos da banca é crédito malparado.
Cerca de 40% das empresas são zombies à beira da falência. O investimento não arrancou e a procura interna é baixa.
O sentimento geral é, ainda hoje, de enorme desesperança. Angelos Athanasopoulos, um jornalista sénior grego que conheci recentemente num encontro europeu, sublinha outros problemas menos mensuráveis mas tão ou mais comprometedores adiante: a falta de proteção social, a erosão das instituições, a educação destruída, o clientelismo. Há um país inteiro de gregos que lutam com dificuldade para se manterem à tona da água, para quem os sacrifícios económicos parecem uma tortura sem fim. Com muito poucas razões para celebrar o fim de um bailout.
Sem mais medidas e reformas, poucos são os que acreditam numa recuperação sólida da economia grega, que continua altamente frágil. E o problema é que, com eleições em outubro do próximo ano, a tentação de Alexis Tsipras para facilitar seja grande. Sendo certo que tem como compromisso atingir ambiciosos excedentes primários de 3,5% do PIB em 2022…
Tudo isto pode escapar ao cidadão comum europeu, mas não pode escapar ao presidente do Eurogrupo. Sobretudo quando o presidente do Eurogrupo experimentou e criticou, como ministro das Finanças português, o peso da austeridade e os seus efeitos devastadores nos PIGS. Não admira pois que o vídeo de Mário Centeno de apenas um minuto e dez segundos a elogiar a situação grega tenha caído que nem uma bomba, com críticas à esquerda e à direita. É desnecessário fazer de uma melhoria na tragédia um romance com final feliz. E esquecer o que se disse atrás também.