O mundo anda cheio de lições de liderança, inundado de manuais e de teorias sobre a melhor forma de vencer nos negócios e de enfrentar as adversidades. Por vezes, até com receitas pormenorizadas sobre como alcançar a “excelência” ou aprender a delinear planos infalíveis para a concretização de qualquer tarefa, ideia ou aspiração de vida.
A verdade é que, como os ciclos políticos costumam demonstrar, os chamados planos infalíveis têm sempre um prazo limitado de duração. E, como todos sabemos, raramente conseguem ser cumpridos à risca e sem interrupções – a realidade é muito mais forte do que qualquer previsão e a concretização de qualquer plano acaba por ser limitada pelo surgimento de fatores inesperados para os quais nem sempre se tem solução ou a lição estudada.
Mas o pior de tudo é quando se insiste em continuar a seguir um plano à risca, mesmo quando se percebe que ele já não está a funcionar nem a alcançar os resultados desejados. Temos, infelizmente, um triste exemplo disso em Portugal, nos últimos tempos, com o plano que foi montado para o combate aos incêndios e que, há meia dúzia de meses, ninguém criticava. Agora, já se percebeu que é absolutamente incapaz de impedir que, quase todos os dias, se vão batendo os recordes de número de fogos e de área ardida. E não por culpa da falta de meios, de um sistema de comunicações que falha nos momentos críticos ou da descoordenação que possa existir na gestão das catástrofes, embora tudo isso contribua para a dimensão da situação que temos vivido. A culpa, como se tem visto, é mesmo do próprio plano, que assenta no pressuposto – errado, segundo os melhores especialistas de renome internacional – de que se podem combater os grandes incêndios de frente, em vez de os prevenir durante os meses frios, com uma gestão cuidada da floresta e do território.
É verdade que foi conseguido um consenso para a criação de uma comissão técnica independente que promete apresentar as ideias de um novo plano de combate aos incêndios em Portugal. Só que nada mudará se, depois, não existir a força de vontade suficiente para executar esse novo plano. O que, naturalmente, será uma tarefa difícil e que exigirá grande coragem, pois, para funcionar, terá que alterar muito do status quo das forças de proteção civil, mexer com interesses estabelecidos, afrontar uma rede de pequenos poderes há longo tempo enraizados e baralhar muitas ligações económicas, partidárias e corporativas.
É nesses momentos que me recordo de Nélson Évora e da forma como, contra todas as “estatísticas” e previsões, consegue a proeza de ser o único atleta que anda há dez anos consecutivos a ganhar medalhas nas mais importantes competições internacionais. E porque é que ele continua a ganhar? Exatamente porque teve a coragem de mudar de plano. Ele que, praticamente, tinha tido apenas um plano durante toda a sua vida. E ainda por cima ganhador: um único treinador, quase como um pai, com quem foi crescendo, num processo de aprendizagem mútua, até alcançar a glória olímpica.
Só que, há um ano, após falhar as medalhas nos Jogos Olímpicos, percebeu-se que era preciso mudar de plano. E Nélson Évora fê-lo com a mesma determinação com que salta nas pistas: cortou a direito. Não mudou só de plano, mudou também de treinador, de clube e até de local de residência, transferindo-se para os arredores de Madrid, às ordens de um antigo supercampeão do salto em comprimento. Não se acomodou à glória passageira, foi em busca de mais e de melhor. Apesar dos 33 anos, ele quis procurar novos desafios e provar que, ao contrário do que diziam, não estava acabado. É assim, com essa atitude, que os campeões conquistam as vitórias. Mas é também com essa atitude que os países podem dar o salto de que necessitam e merecem. Com coragem para mudar de plano.