Roubei o título desta crónica à ideia base de um dos livros preferidos de Steve Bannon, chief strategist de Trump, no qual ele assenta grande parte da sua visão para a América. Chama-se The Fourth Turning: An American Prophecy e não é mais do que uma prosa de dois historiadores amadores, quais Nostradamus das teorias económicas, que dizem que as crises são cíclicas e que o mundo em geral e os Estado Unidos da América em particular vão ter em breve pela frente uma enorme crise que vai romper com os alicerces da economia e da sociedade e que urge prepararmo-nos para o desastre. Foi escrito em 1997 (não se pense pois que roubaram a popular deixa à Guerra dos Tronos) e é neste devaneio apocalíptico pouco fundamentado que Bannon assenta toda a sua doutrina da América Primeiro, buzzwords da campanha para a presidência.
Doutrina esta que, na semana passada, foi baleada com 59 mísseis enviados em direção à Síria, com a administração Trump a fazer aquilo que em campanha sempre disse que não faria: interferir em conflitos internacionais que não lhe diz respeito, ainda por cima tomando posição contra o suposto “amigo” Putin. Estará afinal o inverno a chegar para Bannon, o sinistro ideólogo alt-right que Trump retirou recentemente do Conselho de Segurança Nacional? Estará ele a perder o seu poder de influência? Como relatava o New York Times no fim de semana passado, há uma guerra latente na equipa de Trump: Bannon, o estratega chefe com ideias radicais, que quer fechar a América sobre si própria, afastar os “maus” metendo no mesmo saco imigrantes e terroristas, versus Jared Kushner, o genro moderado e com bom senso (em terra de cegos quem tem olho é rei) que quer limar as arestas de um início de mandato turbulento, desradicalizando o discurso e as decisões políticas. Note-se que Bannon (e não só) chamam ao jovem “o democrata”, em jeito de ofensa numa administração republicana e assumidamente conservadora. Está afinal Kushner a ganhar?
Após o ataque americano, meio mundo suspirou de alívio: afinal, a “América Polícia do Mundo” está de volta, zelando pela ordem natural das coisas no planeta. A mim, só me fez temer ainda mais um Presidente errático que faz o contrário do que sempre garantiu e que brinca com a vida e a morte como forma de fazer subir a sua popularidade nas sondagens, onde anda pelas ruas da amargura. Com a mesma precipitação com que escreve tuits às 6h da manhã, um bélico Trump manda atirar bombas, entrando estilo “toca e foge” num conflito altamente complexo que não se resolve com ameaças vãs. Criticava Paul Krugman, coberto de razão, a propósito: “truques publicitários não são uma política”. Esta manobra não é mais do que uma estratégia irrefletida, sem um plano definido, para caçar simpatias, porque é evidente que, para se conseguirem resultados duráveis na Síria, os Estados Unidos teriam de se envolver de forma sustentada na resolução do conflito – para o qual ninguém tem uma solução à vista. Foi por essa razão que, como sublinha Krugman, Obama optou por não começar uma coisa que ninguém faz a menor ideia de como acabar.
Pode ser bom que Kushner esteja a ganhar o braço de ferro a Bannon como voz da consciência, pode ser bom que o Presidente dos Estados Unidos se preocupe com os valores democráticos e decida não seguir a sua própria cartilha, pode ser bom que esteja aparentemente a “normalizar-se”… mas Trump será sempre o mesmo homem autocentrado, errático, precipitado, básico e agressivo que infelizmente conhecemos. E, pior, imprevisível e bélico, como se vê agora. Acabo de receber um alerta que me diz que um porta-aviões de guerra norte-americano foi enviado em direção à Península da Coreia. Hoje Bashar al-Assad, amanhã Kim Jong-un? [Os Estados Unidos lançaram hoje, quinta-feira, “a mãe de todas as bombas”, pela primeira vez na sua história, no Afeganistão.] O inverno não está a chegar. Temo que o inverno já tenha chegado no dia 20 de janeiro de 2017.
Artigo publicado na edição 1258 da VISÃO de 12 de abril, editado entre parentesis retos com os desenvolvimentos de 13 de Abril