Por vezes é um problema de pontaria; noutras é mesmo por não se poder atirar na direção certa. Seja como for, o beneficiado é o alvo.
Disparou – e continua a disparar – a oposição contra o Governo por causa dos contratos de associação com colégios privados. Tal foi o empenho que até o reservado Passos Coelho veio forte à contenda. Rapidamente se percebeu – embora levasse tempo a ser assumido – que a questão era mais ideológica do que de qualquer outra natureza. Para setores mais conservadores de direita, o ensino particular é uma pedra de referência de antigos privilégios e continua a ser o local onde os estratos sociais se distinguem; para os lados da esquerda, é um marco a abater, exatamente porque é (quase) reservado aos mais bafejados pela fortuna.
Os tempos mudaram, mas há ainda muita memória do passado. Cresceu o acesso ao frigorífico, à televisão, às férias, ao automóvel, até à casa própria, mas isso de entrar no colégio continuou bem diferente. Só para a farda era um dinheirão…
A Terra rodou, hoje há argumentos bem mais pragmáticos e racionais em defesa do ensino privado, mas basta ouvir o tom em que protagonistas da direita e da esquerda se referem às escolas particulares para se ver que há ali muito mais do que razoabilidade: há muita emoção. E há muita ideologia, com o que isso tem de bom. E há muita confusão entre ensino e religião, com o que isso tem de mau. Resultado, o debate está a ser de paixões, não de razões.
A antiga coligação refez-se para atacar a nova. O resultado foi que esta se reforçou. É mais fácil unir a esquerda em defesa do ensino público do que do Serviço Nacional de Saúde. Os seguros (e a ADSE) dessacralizaram o acesso aos consultórios particulares e aos hospitais privados, mas nada abriu os colégios ao povo – falta o cheque-ensino, tão defendido pelos liberais e atacado pela esquerda. Os colégios ficaram, mais ou menos, como último reduto para ilustrar a luta de classes. Sobretudo nas grandes cidades.
A consequência do fogo da direita foi, certamente, a contrária da pretendida: perante a artilharia da caranguejola, a geringonça blindou-se. Foi fácil construir unidade neste domínio. Conhecem-se os argumentos de ambos os lados (embora muita boa gente recuse ouvi-los e insista em tiradas de elevada demagogia), mas a verdade é que PSD e CDS partiram fragilizados para este combate: quem tantos acordos rasgou em nome da austeridade, quem desfez contratos com a alegação de que eram desperdício e redundantes, só por erro pode ter delineado a estratégia que usou. Melhor fora que tivesse ido direito à questão ideológica.
Este foi, portanto, um caso de má pontaria.
Onde é que uma artilharia bem afinada poderia danificar peças da geringonça? Na questão das 35 horas para a Função Pública. Mas aí PSD e CDS têm um problema: a forma de atacar a máquina de António Costa seria apoiarem o princípio da igualdade de direitos individuais e baterem-se para que não haja funcionários de primeira e de segunda. Portanto, 35 horas para todos – e já. Ora esta não pode ser a reivindicação da direita, que já é do Bloco, do PCP.
O Governo está a prolongar no tempo a reposição das 35 horas e os seus parceiros dizem que estão contra. Talvez houvesse por ali uma fenda para aprofundar, mas não podem ser, obviamente, PSD ou CDS a dinamitá-la.
Há sempre a questão das previsões, das possíveis sanções, dos crescimentos anémicos, do ridículo cêntimo do gasóleo. Bom, mas nestes domínios há conjeturas para todos os gostos e professores e prémios Nobel da Economia para apoiarem diferentes teses. Disparar por aqui leva tempo a causar mossa.
E assim António Costa já leva seis meses de primeiro-ministro; e assim Passos consolida a tese de que é preciso esperar para que o Governo se estatele. Nada de novo: há muito que se diz que as alianças se corroem por si próprias