A médica Ana Macedo, numa das recentes revistas de imprensa das 10 da manhã da SIC Notícias, fez-me parar frente ao televisor. Que dizia ela? Tinha ido ao estúdio para falar de obesidade, mas a conversa ainda era sobre o problema dos refugiados.
Com genuína indignação e a sensibilidade de quem lida com pessoas e não com algarismos, Ana Macedo mostrava-se incomodada por os refugiados terem passado, também eles, a serem tratados como números. Com o destino desenhado em folhas de Excel.
O que mais se ouve são discussões sobre quotas, tudo se resume a quotas. De sardinhas, de leite… de refugiados. Tudo parece visto numa mesma ótica da divisão de distribuir o mal. Seja o peixe que tem quotas escassas, seja o leite que sofre pela falta delas. Ou até homens, mulheres e crianças, que talvez deem jeito onde possam trabalhar, mas que talvez atrapalhem sabe-se lá onde e porquê.
O importante é a quota. A tua quota são tantos, porque tens x habitantes, a minha é metade porque sou mais pequenino; tu ficas com estes porque assim vai o teu PIB, a mim cabem-me aqueles que o desemprego vai alto (ou baixo, tanto faz para as argumentações).
Com esta lógica, dificilmente os refugiados acabarão por ser integrados. O mais certo é construírem-se, na melhor das hipóteses, uns bairros (na pior, serão armazéns) onde se despejará a quota que coube à região. Lá está: a quota, sempre a quota. A segregação tratará, a curto prazo, de alimentar a xenofobia e esta a revolta.
Resta uma esperança: de que Angela Merkel venha dizer que a linguagem das quotas e da divisão por número de habitantes ou por quilómetro quadrado não é adequada na discussão sobre o futuro de quem foge da morte. Quando a chanceler alemã mudou o discurso sobre os refugiados, apareceram como cogumelos dirigentes políticos a fazerem inflamados discursos sobre o valor da solidariedade na Europa, conceito que até então tinham ignorado. Descobriram, nessa altura, um problema que quiseram ignorar durante meses. Soaram muito a falso. Inventaram a indignação e criaram o discurso revoltado, mesmo que antes se tivessem batido para acolherem menos emigrantes. Não tinha sido uma vitória para Portugal ficarmos com apenas 1500? Agora, até David Cameron já fala da sua quota parte: 20 mil até 2020. Merkel falou, Portugal duplicou a disponibilidade e até o primeiro-ministro britânico se condoeu.
Da forma como os refugiados forem acolhidos dependerá a sua integração. Cabe à Europa definir se quer ter novos europeus para construir o seu futuro – ou criar com eles um novo problema para o futuro da Europa.
José Sócrates está em casa. Há três meses só podia deixar a cadeia se levasse pulseira, e ter polícia à porta era insuficiente. Agora já pode ser. Que fez a Justiça mudar de opinião? Certamente que não o facto agora alegado de “que, face à prova (…) se mostra reforçada a consolidação dos indícios, o que diminui o perigo de perturbação do inquérito”. Mas como é que a pulseira impedia, mais do que os polícias, qualquer tentativa de perturbação do inquérito? Já agora: Vara e Santos Silva também vão ser dispensados do uso de pulseira?
Seja qual for o desfecho deste processo ele não pode deixar partes por esclarecer. As confusões do processo Casa Pia tiveram um efeito devastador e nenhum dos arguidos ou dos condenados tinha a combatividade e os apoios do antigo primeiro-ministro.
Mas ainda que o ruído mediático não fosse ensurdecedor, o Processo Marquês já provocou demasiadas prisões de presumíveis inocentes para que, seja qual for o desfecho, se possa aceitar que tudo fique na mesma. Os prazos, os secretismos, as leis que regem a investigação e os limites da autonomia do Ministério Público terão de ser reavaliadas.
Não é apenas nos processos com protagonistas que o intolerável acontece: só agora foram absolvidos os três técnicos que eram apontados como responsáveis pelos enormes prejuízos causados pela explosão de 2007 ocorrida num prédio de Setúbal. Quem fica indiferente ao que passaram os presumíveis responsáveis? Diz o juiz que um deles nem sequer deveria ter ido a tribunal, mas foi e sofreu. O próprio Ministério Público, que acusou, acabou a pedir a absolvição.
Alguém vai ser responsabilizado? Quem vai responder pelos oito anos de demora? Quem vai indemnizar as vítimas da acusação? Alguém deveria ser, no mínimo, despedido.
Já agora: na campanha que está a decorrer não deveria falar-se sobre isto, ou a Justiça não é problema?