Quando existem debates político-ideológicos, costuma discutir-se o papel do lucro na sociedade. Para uns, ele é a força vital para o bom funcionamento da economia e da sociedade. Para outros, ele é a expressão da malignidade do sistema, da exploração estrutural. Porém, quando passamos do mundo abstrato das ideias para a prática, não há nenhuma sociedade do mundo onde tudo seja regido pelo lucro, nem outras onde o lucro nunca exista. Na prática, temos é que saber identificar quando é que o lucro é uma boa ferramenta e quando é desadequada.
O que sucede é que certas atividades, e certos setores, não funcionam bem segundo a lógica do lucro. Outros funcionam muito satisfatoriamente. Um debate adulto e sério sobre esta questão não pode ser dicotomizado entre “todo o lucro é bom” vs. “todo o lucro é mau”, mas, antes, quando é que o lucro é bom e quando é que ele é mau?
Apesar de a resposta a esta questão também não ser universal nem simples, há realidades muito concretas que ilustram bem as diferenças. O lucro que uma pequena padaria de uma cidade faz é o resultado da capacidade que tem em oferecer bens que satisfazem clientes, num clima de elevadíssima concorrência, depois de pagar fornecedores e trabalhadores. Nunca é um lucro muito elevado e, em conjunto com todas as outras padarias, responde bem às vontades de pão e bolos da sociedade. Por outro lado, o lucro de uma empresa com demasiado poder de mercado pode ser elevadíssimo por resultar do esmagamento dos benefícios dos fornecedores, dos trabalhadores e dos clientes, ou mesmo causando danos sociais, dando uma resposta insatisfatória ao problema em questão. E há, ainda, certas atividades que nunca seriam realizadas numa lógica de lucro: se a assistência social tivesse de dar lucro, não existia assistência social. É que ajudar quem não tem dinheiro, por definição, é uma atividade não lucrativa.
Então, não podemos ser dogmáticos. A verdade é que há lucros bons e lucros maus. Compete à sociedade discernir em que contextos se formam os lucros bons (os que dão bons resultados parta a sociedade como um todo, e estimulá-los), e em que contextos se formam os maus (os que, no cômputo geral, prejudicam a sociedade, e controlá-los). É este o quadro mental correcto para se debater a adequação dos lucros na saúde, na educação, na segurança social, no sistema financeiro ou no setor energético, e não assumir, automaticamente, que eles são bons ou maus à partida.
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