Por vezes o presente ofusca. Não nos permite vislumbrar os futuros. E fica-se com a ideia que só é possível reviverem-se os dilemas do passado. Mas é mentira. Um olhar sério para a história da humanidade mostra-nos como as ruturas sempre aconteceram, muito mais imprevisíveis do que calculáveis. Se fossemos a confiar no passado recente para perspetivar futuros, ainda a humanidade estaria no nomadismo (analógico…).
As revoluções do passado (o domínio do fogo, a invenção da agricultura, o sedentarismo, os impérios feudais, as experiências democráticas, a revolução industrial, o iluminismo e o capitalismo, a abolição da escravatura, etc.) mostram-nos que a história da humanidade dá saltos, e nunca sabemos quando é o próximo.
O paradigma do mundo, hoje, é o capitalismo global. Muitos acreditam que esse é o destino eterno da humanidade. Esses crentes dizem mais: “qualquer tentativa de fazer diferente redunda num inferno qualquer”. Tanta falta de visão. Mais uma vez, não sabemos se está próximo ou distante o fim do capitalismo e o início de outra coisa qualquer. O próximo salto. Não o conseguimos prever e dificilmente surgirá tal qual o plano. Mas é certo que surgirá.
Importa, então, o seguinte: é falso que tenhamos chegado ao fim da História; o que se seguirá pode bem ser muito melhor do que o que existe; o que falhou no passado não tem que ser repescado.
O atual sistema de organização mundial tem falhas graves. Produz muitas desigualdades (segundo o Global Inequality Report de 2022 do FMI, as disparidades na riqueza são, hoje, aproximadamente as mesmas das do início do século XX, com a metade mais pobre da população global a possuir apenas € 2.900, em paridade de poder de compra por adulto, enquanto os 10% mais ricos possuem cerca de 190 vezes mais), é pouco democrático (tem muitas assimetrias de poder cristalizadas) e é ambientalmente insustentável (não há evidência empírica de decoupling absoluto, global e duradouro nas matérias-primas, na energia, na água, nos gases com efeito de estufa, nos solos, nos poluentes hídricos e na perda de biodiversidade).
Achar que isto é o fim da História, para além de cientificamente errado, é moralmente discutível e muito pouco ambicioso. Se há coisa razoável de dizer é que a humanidade pode e deve fazer muito melhor que isto. O quando e o como, ainda não sabemos. Mas temos a obrigação de ir à procura.
Nota final: esta semana ficou patente que pessoas de diversas áreas ideológicas partilham desta visão. De Muhammad Yunus a Rui Rio, passando por um conjunto de eurodeputados que organizaram a conferência “Para além do Crescimento 2023”, todos percebem que o atual modelo de organização da economia mundial está longe de ser o melhor que a humanidade consegue.
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