Recentemente, tem-se falado da possibilidade da institucionalização uma semana de 4 dias de trabalho. Embora nem todos tenham a mesma visão do que se está a falar – uns estão a pensar em quatro dias de trabalho mantendo-se as 40 horas semanais, outros estão a falar em 4 dias de trabalho passando para as 32 horas semanais – o debate tem-se centrado à volta da viabilidade económica de tal alteração. Os mais conservadores argumentam que isso apenas pode existir através de um acordo entre empresas e trabalhadores, nos casos em que o trabalho é compatível com essa flexibilidade e quando os ganhos de produtividade o permitam.
Na prática, flexibilizações do horário das 40 horas já existem na lei portuguesa: ora permite que as 40 horas se acumulem em 4 dias, ora permite reduzir o horário do trabalho para 32 horas, em quatro dias, mas com a proporcional redução salarial. Acontece que nenhuma destas situações responde ao verdadeiro desafio de se trabalhar menos e ganhar mais (e, por isso, ambas as possibilidades tiveram uma adesão marginal). Versões mais modestas desse desígnio seriam “trabalhar menos e ganhar o mesmo” ou “trabalhar o mesmo e ganhar mais”. Porém, a única alteração verdadeiramente progressiva seria “trabalhar menos e ganhar mais”.
Fazendo uma análise histórica, foi exatamente isso que o Iluminismo, a revolução industrial, a democracia, o liberalismo clássico e a social-democracia nos trouxeram. Se olharmos para aquilo que era a vida de um holandês no século XVIII, constatamos que era uma vida de muito mais horas de trabalho e de muito menos rendimento real, face ao que tem hoje em dia. Essa foi, aliás, a grande virtude da síntese social-democrata, que combinou crescimento económico, aumentos de salários reais, diminuições da carga de trabalho e aumentos de direitos laborais. O resultado disso, a ciência hoje demonstra-o, são populações mais felizes.
Verdadeiramente, não há nenhuma razão tecnológica presente que dite o fim deste desígnio. O mundo está cada vez mais rico em termos reais per capita e a automação, nomeadamente ao nível da inteligência artificial, está apenas a dar os seus primeiros passos, pelo que as perspectivas de prosperidade económica são favoráveis. O problema é, então, político. É que foram as próprias democracias ocidentais, que conseguiram trilhar esse caminho de prosperidade depois a segunda metade do século XX, que decidiram parar, ou até retroceder, esse processo. À boleia de dogmas ideológicas relativamente à forma como se regula a globalização (lançados nos anos 80 do século XX), uma parte das populações ocidentais tem tido uma perda de qualidade de vida (nomeadamente estagnações de salários reais e perdas de direitos laborais).
Avançar com a prática de uma semana de 4 dias, 32h, mas com aumentos salariais (nunca com perdas) é a única forma de retomarmos o caminho do progresso.
Agostinho da Silva lembrava que a verdadeira tarefa dos economistas tem que ser o encontrar da solução para se avançar rumo à gratuidade da vida. Trabalhar cada vez menos e receber cada vez mais é o caminho para essa gratuitidade. É também o caminho para que se consiga assistir a aumentos da felicidade nos países ocidentais, que tem estado estagnada nos últimos 40 anos. Combinar avanços tecnológicos com mais lazer é o desígnio, nunca tornarmo-nos escravos desses avanços.
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