Num tempo em que todas as sanções impostas à Rússia sabem a pouco, delicia-me a ideia de Putin não poder saborear um Big Tasty. Sente-se todo-poderoso, mas não pode comer um sundae, porque não há. Gosto de o imaginar, lá no bunker, a ser confrontado com o número de baixas do Exército russo, e, ainda mal refeito do choque, a descobrir que não pode afogar as suas mágoas em meio litro de Coca-Cola. Já se sabe que, em momentos de stresse, a chamada comfort food ajuda sempre; portanto, gosto de acreditar que Putin fica desasado por não poder comer umas asas de frango do KFC. Foi, por isso, com preocupação que li a notícia de que a Rússia já tinha solucionado o problema do encerramento do McDonald’s. Mau! Não bastava terem vencido a batalha de Mariupol, como agora venciam também a guerra da fast food? Felizmente, não é bem assim. Aquilo que Putin anunciou foi um plano para nacionalizar empresas estrangeiras que abandonaram o país, e sabe-se que já há um pedido de registo da marca Tio Vânia, que vai substituir a cadeia americana. Saem os hambúrgueres da terra do Uncle Sam, entra em cena um tio russo que faz umas sandes. Na teoria, pode parecer boa ideia, mas é como pedir à minha avó que me faça um Frappuccino do Starbucks. Não dá. Pode até sair um belíssimo mazagran, não podemos é dar-lhe o mesmo nome. Parece-me claro que a cadeia Tio Vânia não conseguirá reproduzir fielmente um Big Mac. Se isso fosse fácil, o Burger King já tinha conseguido. Bem sei que o anúncio do início do século repetia até à exaustão a lista de ingredientes: “Dois hambúrgueres, alface, queijo, cebola, pickles e molho especial.” Mas como é que o chef do Tio Vânia vai descobrir a receita do molho? Pesquisar na internet é escusado: lá, nem sequer encontra notícias sobre a guerra, quanto mais um segredo tão bem guardado como este. Reconheço, ainda assim, que os russos não perdem uma oportunidade para demonstrar a sua (pretensa) superioridade intelectual: baptizaram a marca de fast food com o nome de uma peça de Tchekhov. Percebo que não tenham escolhido a obra mais famosa, porque chamar Gaivota a uma imitação de McDonald’s podia levantar algumas suspeitas sobre a proveniência da carne. Se quiséssemos homenagear um dramaturgo por cá, a escolha era mais óbvia: “Monólogo do Vaqueiro” dava um óptimo nome para uma hamburgueria. Tenho pena dos russos que se opõem à guerra e que, em tempos tão tristes, não têm sequer direito a um Happy Meal, mas fico contente por saber que, no dia da derradeira derrota, Vladimir Putin não terá acesso à única comida que cura ressacas. Claro que tudo isto fica sem efeito se, além das semelhanças já por tantos apontadas, Putin tiver em comum com Hitler o facto de ser vegetariano. Aí, tanto faz que seja um McVeggie ou um hambúrguer de legumes do Tio Vânia: são sempre desenxabidos.
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