Manuel Luís Goucha elogiou a performance de FF no Festival da Canção, criticando indirectamente a canção dos Fado Bicha, e a polémica estalou. Isto é a prova provada de que, desde a vitória de Salvador Sobral, encaramos a Eurovisão como a Liga dos Campeões: vibramos, roemos as unhas, insultamos quem torce por outro clube.
Mas aqui o problema reside precisamente no facto de Goucha jogar no mesmo clube do que João Caçador e Lila Tiago, a dupla de Fado Bicha. Sendo que esta equipa, de pessoas não hétero, é do mais heterogéneo que pode haver – tem cidadãos de todo o mundo, de todas as idades, géneros, credos, profissões… –, seria altamente improvável que todos concordassem num tema simples quanto mais numa questão ultracomplexa como a de “que música deve representar Portugal num certame internacional de canções?”.
Mas vamos à matéria de facto, vinda do homem que passa a vida em busca de matérias para fatos, Manuel Luís Goucha. “Magnífica canção e voz. Sem patético ‘folclorós’, a ganhar a todos representaria, famigerada comunidade inclusive, com dignidade.” Este fã de alta-costura não dá ponto sem nó, portanto elogiou o cantor FF enquanto alfinetava os Fado Bicha. A dupla ripostou, acusando Goucha de “patética expressão aberta e gratuita de homofobia internalizada”.
Os comentários nas redes sociais multiplicaram-se, acusando Goucha de ser homofóbico e de prestar um péssimo serviço à “comunidade”. São as regras desta comunidade que eu gostaria aqui de questionar, adivinhando, desde já, que nessas normas esteja definido que elementos de fora da comunidade, ainda que simpatizantes, não possam falar sobre ela. Ainda assim vou arriscar. A comunidade LGBT tem feito um trabalho notável para evidenciar que não há nada de errado em se ser homossexual. Porque há-de agora impor uma forma certa de se ser homossexual? Defendem (e bem) o direito à diferença, mas parecem ser fãs do pensamento único.
É consensual que ser gay ou hétero não é uma escolha e temos, felizmente, varrido a expressão “opção sexual” do nosso léxico. Mas ser ou não ser representante de uma determinada fatia da população é, creio eu, opcional. Se representar um grupo de cidadãos fosse apetecível, toda a gente quereria ser delegado de turma. Se fosse fácil, todos nos sentiríamos capazes de formalizar uma candidatura a Belém. Goucha acha que Povo Pequenino dos Fado Bicha não representaria bem Portugal, os autores da canção acham que Goucha não representa condignamente a comunidade.
A resolução parece fácil: se cada um se representar a si próprio, ou a quem os mandatar para tal, acaba-se o problema. Enquanto a discussão decorria, Maro venceu o Festival da Canção. Não sei se tem namorado ou namorada, mas tem uma belíssima voz, o que (em princípio) era o que interessava. Continua, no entanto, por explicar por que raio Goucha escreve “folcloró”.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.