Sei que é impopular criticar Volodymyr Zelensky (a não ser na Rússia), mas sou forçada a fazê-lo. O Presidente ucraniano é o melhor que podia ter acontecido àquele país, mas o pior que podia acontecer aos humoristas de todo o mundo. Que pior representante para a classe do que um homem que chega à presidência do seu país e enfrenta com galhardia uma guerra contra uma nação ultrapoderosa? Militares, enfermeiros, médicos, são profissionais habituados a ver os seus pares tornarem-se heróis. Os humoristas, até hoje, só viam colegas nas primeiras páginas dos jornais quando estes eram apanhados com as calças na mão (olá, Louis C.K.), não a carregar um povo às costas. Mas estávamos confortáveis nessa posição (menos o Louis, espero eu). Esperar-se de um humorista que seja um palerma não é ofensivo, é até um reconhecimento do trabalho feito. Da mesma maneira que se espera dos padeiros que cozam bom pão. A padeira de Aljubarrota foi desleal com a concorrência: enquanto outros tentavam notabilizar-se pelas bolas de mistura, Brites de Almeida celebrizou-se por ter feito do exército castelhano massa sovada. Foi isto que Zelensky fez agora aos comediantes. Se antes era tido como coragem escrever umas linhas inconvenientes, agora ser destemido implica ir para a linha da frente. Até hoje o mais próximo que um comediante tinha estado do teatro de operações era Charlie Chaplin n’O Grande Ditador. E vivíamos bem com isso: humoristas na guerra? Só se for a brincar. Humoristas a “arrasar” gente? Apenas com adjectivos, nunca envolvendo mísseis. Se os humoristas fossem corajosos, não eram humoristas, tinham escolhido uma profissão que implicasse ir para o terreno, e não ficar à espera que outros pisem zonas pantanosas. Nunca tinha visto um humorista armado até aos dentes, só armado em parvo. O que Zelensky faz, sempre que se dirige a Putin, é, no fundo, uma recriação da guerra de Raul Solnado (que, por sua vez, imitava o espanhol Miguel Gila). “Está lá? É do inimigo? Olha, vocês podiam parar a guerra agora um bocadinho? Tenho aqui um colega com dores de cabeça.” Infelizmente aqui as dores são outras (e não dão vontade de rir) e o inimigo não é tão dialogante. Zelensky torna-se assim o primeiro humorista unânime, na História da Humanidade. Estranhamente, não conseguiu essa aclamação através de uma piada, mas falando muito a sério. A unanimidade foi uma espécie de kryptonite para o comediante Zelensky, no momento em que a conquistou passou a ser levado a sério. É uma estrada sem retorno e o Presidente da Ucrânia escolheu o caminho mais fácil: o de arriscar a vida pelos seus compatriotas, de forma heróica, em vez de tentar encontrar uma piada original e que não ofenda, sobre o conflito. Fez bem. Seria cancelado em três tempos, e assim pode conseguir cancelar a guerra, mesmo que demore um pouco mais.
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