O jornalista José António Cerejo tem um hábito estranho que, felizmente, vai caindo em desuso: faz jornalismo. Insiste em fazer perguntas, em desconfiar, em não engolir patranhas, em não se deslumbrar com o poder ou o dinheiro dos titulares de cargos públicos. Em resumo, é um chato. No âmbito de uma investigação a negócios da Câmara Municipal de Aguiar da Beira, Cerejo resolveu enviar algumas questões ao autarca local, que disse não ter disponibilidade para reunir com o jornalista nem para elaborar respostas às suas perguntas. Com o habitual mau génio, Cerejo não valorizou o empenho do autarca na elaboração desta resposta, e concentrou-se na sua recusa a elaborar as outras. E por isso apresentou, em Dezembro de 2019, uma queixa à ERC, alegando que quando um político eleito impede o acesso de um jornalista a informação oficial está a violar a lei. É verdade, mas estar a recordá-lo não deixa de ser uma falta de educação muito grande. Provavelmente por causa disso, a ERC não respondeu imediatamente, e então Cerejo recorreu ao tribunal, que em duas semanas deu razão às suas pretensões, e obrigou o autarca a facultar-lhe a informação pretendida. Na semana passada, nove meses após a publicação da notícia e 21 desde a apresentação da queixa, a ERC pronunciou-se, denotando uns reflexos um pouco lentos. Um médico que bata com um martelinho no joelho da ERC agora só conseguirá observar a reacção do organismo em Junho de 2023. Ainda assim, a deliberação da ERC acabou por chegar, e diz o seguinte: José António Cerejo tinha toda a razão; o presidente da câmara cometeu uma ilegalidade; tendo em conta a gravidade dessa infracção num regime democrático, a punição é: rigorosamente nenhuma. Nada. O autarca tem de proceder ao pagamento de zero euros. A lei não prevê qualquer coima. Mas, apesar de manietada por uma lacuna legal que ela própria considera incompreensível, a ERC não deixa de repreender o autarca, terminando a deliberação decidindo: “Recomendar à Câmara Municipal de Aguiar da Beira, e ao seu Presidente, que, no futuro, respeitem pontual e integralmente o direito de acesso às fontes de informação legalmente assegurado aos jornalistas.” Em princípio, o autarca aprendeu uma lição que não esquecerá. Não só é alvo de uma temível recomendação como, além disso, deve ser muito humilhante ter um organismo que levou 21 meses a decidir a sugerir-lhe que, para a próxima, seja pontual. A ironia magoa muito.
(Crónica publicada na VISÃO 1489 de 16 de setembro)