A entrevista aos duques de Sussex revelou mais uma vez a importância de nos colocarmos no lugar do outro. Como tenho uma capacidade muito grande para a empatia, fui obrigado a ver a entrevista aos poucos, uma vez que o sofrimento, mesmo em segunda mão, estava a causar-me muito transtorno. O que se passou foi o seguinte: a duquesa de Sussex decidiu integrar voluntariamente uma família cuja existência assenta na ideia de que não somos todos iguais. Uma vez instalada no palácio, a família fê-la sentir que – preparem-se – não somos todos iguais. Só posso imaginar a dor. Preparamo-nos para usufruir da discriminação boazinha de, por exemplo, sermos designados por alteza, que é o dever de todas as baixezas que se cruzam connosco, e de repente somos alvo de discriminação abjecta. Deve ser uma surpresa muito grande.
Logo a seguir a fazer a acusação de racismo, a duquesa lamentou também uma ocasião em que discutiu com a cunhada acerca da indumentária das meninas que levavam as flores no seu casamento, discussão essa que acabou com ela em lágrimas. Aqui, confesso, tive de fazer um esforço maior para compreender sua alteza real. Tem a ver com a minha idade. No meu tempo, o racismo era uma questão muito séria, e ainda não estou habituado a que a palavra se aplique a ninharias como a que, há uns meses, custou uma suspensão e uma multa ao Bernardo Silva. Por isso, para mim, denunciar uma situação de racismo na mesma entrevista em que também referimos a altura em que nos fizeram chorar por causa de collants é como relatar que fomos vítimas de um assalto muito violento e depois acrescentar que, além disso, o assaltante estava bastante mal vestido.
O resto da entrevista já foi mais fácil de compreender. Os duques revelaram a Oprah Winfrey a sua intenção de começar a levar um estilo de vida que caracterizaram como de “regresso ao essencial”. Mais uma vez, o meu coração apertou-se, imaginando o escárnio daqueles que nunca passaram pela dificuldade de regressar ao essencial numa mansão de 14 milhões de dólares. Uma coisa é viver uma vida simples num T2 no Cacém.
Mas eu gostava de ver esses privilegiados habitantes dos subúrbios a manterem presente o essencial numa mansão de 14 milhões de dólares. Em princípio, não teriam disciplina para tanto. É um esforço duro e diário. Só espero que os duques continuem a poder fazê-lo sem distracções como, por exemplo, terem de arranjar um emprego a sério. Queira deus que nunca cheguem a esse ponto.
(Crónica publicada na VISÃO 1463 de 18 de março)