Sempre que um acontecimento repudiável ocorre, podemos ter a certeza de que ninguém vai perder a oportunidade de o repudiar. Há três grandes tipos de repúdio: o repúdio simples, o veemente repúdio e o vivo repúdio. Existem ainda subcategorias de repúdio, como o repúdio veemente, que opera a troca do substantivo pelo adjectivo (o que raramente ou nunca sucede com o vivo repúdio: não registámos qualquer ocorrência de um repúdio vivo), e o mais veemente repúdio (ou o mais vivo repúdio), quando se trata de um repúdio verdadeiramente superlativo.
Uma análise aos repúdios manifestados a propósito da invasão ao centro de treinos do Sporting, em Alcochete, revela que o acontecimento foi repudiado de uma forma bastante variada. O Governo foi o primeiro a repudiar, por intermédio do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, que exprimiu “repúdio veemente”. O Sporting repudiou pouco depois, anunciando em comunicado que repudiava “de forma veemente”. São dois repúdios muito semelhantes, simples e dignos, que devem a sua simplicidade ao facto de terem sido proferidos em primeiro lugar.
Quanto mais tempo passa desde o acontecimento repudiável, mais dramática tem de ser a manifestação de repúdio. A Holdimo e a Associação de Treinadores, mais lentas a repudiar do que o Governo e o Sporting, viram-se forçadas a exprimir “o seu mais veemente repúdio”. Esta formulação indica que ambas as instituições são capazes de outros repúdios, não tão veementes, mas para esta situação reservaram o seu mais veemente repúdio. A Federação Portuguesa de Futebol, provavelmente sentindo-se ferida no orgulho repudiador, avançou então com uma declaração de repúdio parecida, que continha uma diferença subtil mas significativa: anunciou que os actos mereciam “o mais veemente repúdio”. Uma coisa é comunicar o seu mais veemente repúdio, como fizeram a Holdimo e a Associação de Treinadores; outra é transmitir o mais veemente repúdio. Não é apenas o seu mais veemente repúdio: é, subentende-se, o mais veemente de todos os veementes repúdios manifestados até ali. Custa a crer que o secretário de Estado não tenha sido demitido na hora, depois de se ter deixado ultrapassar, tanto em veemência como em repúdio, pela FPF. O presidente do núcleo do Sporting da Madeira, Duarte Agrela, exprimiu um bastante inovador “total repúdio”. Evitando o campeonato da veemência (que naquela altura era liderado pela FPF, com o Governo numa desonrosa última posição), Agrela preferiu, e bem, concentrar-se no repúdio – que, no seu caso, era total. Um justo remoque a todos os que, privilegiando a veemência, corriam o risco de apresentar repúdios bastante veementes mas parciais. Pela minha parte, aproveito para manifestar agora o mais vivo, mais veemente e mais total repúdio.
(Crónica publicada na VISÃO 1316 de 24 de maio)