Esta semana, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para proteger os artistas na sua relação com as plataformas de música: mais regras, remuneração justa e quotas para a música europeia. Aprovada com votação ampla, a proposta do eurodeputado socialista Ibán García del Blanco procura resolver um problema do qual não falamos o suficiente: a maioria dos artistas recebe cêntimos do Spotify pelo trabalho de uma vida.
Cada vez que ouvimos uma música no Spotify, os autores recebem 0,002€. Não é de agora, nem exclusivo desta plataforma. A Amazon paga 0,003€, a Apple paga 0,007€, o Youtube paga 0,001€. Para conseguir pagar um jantar, um artista tem de ser ouvido dez mil vezes. O streaming faz as maravilhas dos utilizadores – eu sou um deles -, oferecendo o milagre de levar no bolso uma riqueza incalculável, o melhor que já se fez na música. Infelizmente, à moda do admirável novo mundo, os verdadeiros autores do trabalho são compensados com a vaga “oportunidade” de estarem expostos numa montra mundial. O mal é que essa grande oportunidade não paga contas.
Quando, em dezembro, o Spotify anunciou a terceira ronda de despedimentos coletivos de 2023 – 1500 trabalhadores -, as plataformas voltaram a ser tema. Espanta-me o modo como tantos defendem a garantia, a todo o custo, da “liberdade” destes serviços para fazerem as regras, sem a natural e desejável regulação dos órgãos políticos. Neste caso, a “liberdade” para explorar os músicos. No ano do 50º aniversário do 25 de abril, há quem saia à rua com a bandeira ao contrário, sem compreender que a liberdade não é compatível com a exploração.
Por mais consensuais que as propostas de regulação de qualquer mercado sejam nos países europeus mais insuspeitos de esquerdismo, em Portugal há sempre quem brade “Coreia do Norte!” ao sinal da lei mínima, da justiça mínima, da proteção mínima dos trabalhadores. Muitos se têm ocupado de fazer com que a própria expressão, “trabalhadores”, passe de moda. Pois, terão de aceitar que os artistas o são. A proposta por um setor musical “justo, sustentável e que promova a diversidade cultural” foi aprovada pelo Parlamento Europeu com 532 votos a favor, 61 contra e 33 abstenções. Aqui estaremos, na base aérea de Pyongyang, para celebrar a intenção de impor justiça mínima para os artistas, assim que a lei se materialize.
Há, contudo, trabalho a fazer também do lado de quem consome. Reconhecer o papel da música enquanto fonte essencial e omnipresente de inspiração nas nossas vidas passa por garantir que os seus artesãos têm a dignidade que merecem. A retribuição da criação artística não é apenas uma questão de justiça elementar, mas até de qualidade, numa lógica de consumo: sem condições mínimas para a criação, não haverá devoção pessoal que sustente a excelência, a riqueza e a diversidade do que ouvimos. Além da lei, é fundamental que nós, consumidores, consumamos com consciência. Que compremos música nos vários formatos, físicos e digitais; que paguemos pela música e valorizemos a criação, a produção, a composição; que ganhemos o hábito de apoiar os nossos artistas favoritos, de acompanhar as novidades, de procurar plataformas justas e de ver concertos ao vivo.
Na música e em tudo, não basta sermos consumidores. Se queremos futuro e liberdade, temos de ser cidadãos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.