A Web Summit começa dentro de oito dias em Lisboa. Após a demissão de Paddy Cosgrave, como consequência de um tweet na plataforma X, a nova liderança do evento estará empenhada em garantir a normalidade possível. Apesar do boicote de Israel que levou à debandada da Google, da Meta e da IBM, Marcelo Rebelo de Sousa já disse encontrar um lado positivo na polémica: publicidade. Acreditemos ou não nesta tese, é difícil crer num sistema internacional em que o tweet de um empreendedor pode causar tamanho impacto numa empreitada de milhões de euros para o Estado português.
“Crimes de guerra são crimes de guerra” – escreveu Paddy Cosgrave. A constatação deste facto valeu-lhe a própria demissão, um pedido de desculpas e o afastamento de algumas das maiores empresas do mundo: além das já referidas, também a Siemens, a Intel e a Amazon cancelaram a vinda a Lisboa. Não encontrando um ângulo positivo no episódio, afiro mais uma lição sobre a importância de valorizar projetos nacionais, criando progressivas alternativas à dependência do talento e das empresas estrangeiras. Num evento deste género, as empresas portuguesas devem ser as convidadas de honra.
O modo como o tweet de um empreendedor sem responsabilidade política pode abalar um evento financiado pelo Estado português reflete um sistema internacional erguido num castelo de cartas. Na teia hiperglobalizada das redes sociais, qualquer bitaite tem o poder para fazer desabar tudo.
A vertigem de Paddy Cosgrave, que passa de figura aclamada no meio, tu-cá-tu-lá com as Googles e as Amazons, a persona non grata para muitos, é uma fábula do novo mundo. Não sendo freguês da Web Summit, acredito que deveríamos aprender com este exemplo. Não é preciso ser velho do Restelo para acreditar que a paz, a sociedade e a economia portuguesas ganhavam em expor-se menos à volatilidade deste universo. Quem sabe, com menos deslumbramento hipertecnológico e mais valorização do que é local, concreto e estratégico no país.
Nada temam, no entanto: perdemos a Meta, a Google e a IBM, mas Cristina Ferreira tem presença confirmada. Numa nota mais descontraída, a debandada de várias gigantes multinacionais da tecnologia coincidiu com o anúncio da participação desta famosa apresentadora de televisão.
Eis a metáfora (real) que faltava. Na Web Summit 2021, Cristina Ferreira afirmou que, caso a sua carreira mediática acabasse, se dedicaria a vender bifanas. Seria, segundo a própria, a melhor do mundo a fazê-lo. Será essa a via para um futuro do país, mais offline? Talvez não seja necessário ir tão longe. Sem desprimor para a indústria da bifana, acredito que a Web Summit ganharia em tornar-se numa conferência de tecnologia capaz de emancipar o talento e a criatividade a partir daquilo que existe por cá, na ciência, na inovação, na cultura. Entre a bifana e a Google, havemos de encontrar o nosso espaço.
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