“Honestamente pensava que estávamos num ponto do nosso país em que as mentalidades já estavam mais ajustadas à realidade da diversidade dos seres humanos” – comenta Marina Machete sobre a reação da opinião pública à sua eleição como Miss Portugal. Faço minhas as suas palavras. Se, infelizmente, não é surpresa que a eleição de uma mulher transgénero neste concurso traga à tona o pior do lodo nas caixas de comentários, não imaginei tamanho festival de desumanidade nos canais convencionais.
Aviso: ouvi demasiadas declarações de Marina Machete para me alongar neste texto. A candidata ao título de Miss Universo é uma pessoa sensata e inspiradora, ocupada a perseguir sonhos e objetivos. Não vou demorar-me no texto atroz e surreal de Joana Amaral Dias, nem na triste figura de Miguel Sousa Tavares e José Alberto Carvalho. Lamento ver manifestações de apoio à posição destes profissionais, de quem esperaria uma humanidade diferente. É preciso muita insensibilidade (e ignorância) para não compreenderem a violência dos seus comentários.
Foquemo-nos, portanto, naquilo que Marina Machete representa. O que simboliza a sua história de perseverança? Perante um mar de medievalismo e piadolas sem graça nas redes sociais, Marina utiliza as aparições públicas para agradecer a quem lhe dá força e pôr o foco naquilo que importa: lutar por um futuro diferente, com menos violência, crueldade e discriminação. Só desse impulso será viável bebermos esperança como sociedade. O sofrimento imputado às pessoas transgénero é um problema de todos, ao qual todos somos chamados a responder.
As visões críticas sobre os concursos de Miss não interessam nada aqui. Aqui, falamos de liberdade elementar, do direito a sermos quem somos, sem medo e sem perseguição. Falamos de acabar com a violência contra quem é diferente. Falamos de respeito. Falamos de humanidade. Marina Machete ainda não é Miss Universo, mas já é Miss Humanidade. Precisamos dela.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.