A um ano das eleições para o Parlamento Europeu, Portugal afoga as mágoas da saga TAP na euforia dos Santos Populares. Nas ruas, a chuva da tempestade Óscar conseguiu o milagre de transformar o vinho do Santo António em água-pé. Nunca os manjericos foram tão bem regados. Como é habitual – e não exclusivo desta altura do ano –, as notícias sobre matéria europeia não entusiasmam ninguém. No entanto, o debate internacional sobre o rumo político da União já começou. E Portugal não conseguiu, apesar do esforço, que o Conselho da UE encontrasse datas alternativas para as eleições. Pois, estão marcadas: 6 a 9 de junho de 2024.
Compreende-se a preocupação do Governo com as datas escolhidas. Olhemos em volta: esta é normalmente uma quadra de festas e feriados, que os portugueses aproveitam para desopilar. Sair, viajar, descontrair, visitar a família – tudo isto é importante. Infelizmente, marcar eleições para o domingo de um fim-de-semana prolongado, com feriado à segunda-feira, é pouco favorável à já tipicamente elevada taxa de abstenção. As escapadelas românticas, ou a farra do Santo António, estão longe de ser o ambiente ideal para os dias de reflexão do período eleitoral. Ninguém está propriamente a ver as hordas de foliões na Madragoa, com a sardinha no pão e o balde de cerveja, a debater com gravidade as reformas legislativas no plano europeu.
Em 2019, Portugal atingiu uma taxa de abstenção recorde (69,3%) nas chamadas “europeias”, figurando entre os países que menos votaram naquelas eleições. Em dez portugueses com idade para votar, apenas três encontraram tempo para fazer uma cruzinha. Se juntarmos à equação o pires de ameijoa à Bulhão Pato, o jarro de vinho à pressão e o mergulho no Portinho da Arrábida, torna-se quase possível fazer prognósticos antes do final do jogo. Arriscamo-nos a bater um triste recorde.
Tentando prevenir o descalabro, o Governo aprovou há duas semanas uma proposta de lei para criar a possibilidade de voto antecipado e em mobilidade. O objetivo é dar aos portugueses a possibilidade de votar em qualquer parte do território nacional ou no estrangeiro, bem como votar na semana anterior. Segundo o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, está em análise um reforço das mesas de voto nas regiões mais turísticas, como o Algarve, a Madeira e o Alentejo Litoral.
A participação nas eleições para o Parlamento Europeu não é, contudo, uma mera questão de logística. Antes fosse. Crescente de eleição para eleição, desde a entrada de Portugal na UE, a taxa de abstenção reflete uma sociedade em boa parte desligada do debate europeu. Se já existe uma tendência para a fraca mobilização política, até no escopo nacional (e local), o problema agudiza-se aqui. As europeias são vistas até por líderes partidários como uma espécie de sondagem para as eleições que verdadeiramente interessam: autárquicas e legislativas. Um barómetro para ver como se posicionam os partidos cá da casa na corrida para as eleições a sério, como se a legislação europeia fosse um fait divers que não afeta a nossa vida. Houve quem, perante a resposta da União à crise pandémica, previsse o despertar da cidadania europeia. Infelizmente, parecemos ter voltado ao alheamento. Há duas realidades: a portuguesa e a “lá da Europa”.
Portugal precisa de consolidar o sentimento de pertença europeia. Qualquer dia, completam-se 40 anos da entrada do país para a UE e ainda há quem diga “na Europa”, sentindo-se numa jangada de pedra. A par de uma verdadeira educação para a cidadania e participação cívica, a toda a linha, é essencial esclarecer os cidadãos sobre a importância das instituições europeias no quotidiano e futuro de todos. Se tememos – e bem – que a festança dos feriados de junho não seja o momento ideal para apelar à mobilização dos portugueses em matéria de política europeia, está na altura de começar um empenho real para aproximar os cidadãos da política. Sem um esforço pedagógico para promover uma noção ampla da importância do voto, em especial num momento tão decisivo para o futuro das democracias europeias, levar as urnas para a praia não resolverá o problema. Muito menos rezar aos santinhos.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.