Estamos naquela altura do ano em que simbolicamente estamos a recomeçar. Enviámos e recebemos mensagens esperançosas a propósito do Ano Novo. Fomos vendo as imagens dos diversos fogos de artificio nos diversos fusos horários em que dividimos este nosso planeta azul. E sim, apesar de não ser celebrado por toda a humanidade a passagem de 31 para 1, uma passagem do ano é um fim de um ciclo e o reiniciar de um novo, renovando a esperança em cada um.
Na justiça, o símbolo maior é a abertura do ano judicial. Entre a complexidade do seu funcionamento e a sua perceção por cada um, face à época, permitam-me formular alguns desejos de Ano Novo.
Uma das coisas que mais me frustra é pretender realizar um ato com efeitos processuais e dizerem-me: “-O sistema [informático] não o permite!”. O sistema é para servir a Justiça, não o contrário, por isso, se não a serve, desejo que haja a coragem de repensar a arquitetura informática dos tribunais, quer numa perspetiva dos utentes, quer de quem neles trabalha.
Os processos não se cumprem sozinhos. Se um magistrado profere um despacho, é preciso que haja alguém capaz e competente que o cumpra. E por isso desejo que a propagada reforma do estatuto dos funcionários judiciários seja um fator de incremento de eficácia para o sistema e de atração para pessoas qualificadas e não crie uma classe de intocáveis ou Dalits, com diferenciações injustificadas entre funcionários.
A morosidade da justiça é uma questão que atravessa todas as sociedades humanas. A identificação das suas causas tem múltiplas contribuições de vários autores e instituições, mas, até ao momento, não passaram de meros escritos. O meu desejo: que haja uma leitura integrada, com capacidade de diálogo, por parte de quem tem responsabilidades na matéria.
A crescente criminalização de condutas humanas associada a um princípio de legalidade estrita leva a um excesso de processos, muitos deles volumosos, o que implica um acréscimo de morosidade e consumo de valiosos recursos. Assim, desejo que sejam reponderados os pressupostos para aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, abrangendo crimes que até ao momento não o admitem, de forma a contribuir para uma justiça mais célere e consensual, o que resultará em maiores benefícios para a comunidade.
A perceção do que é justo ou injusto, no contemporâneo mundo da pós-verdade, alimentado por sujeitos processuais e/ou comentadores com os seus próprios interesses, gera insatisfação e tensões na sociedade que podem descambar para a violência. É desejo meu que haja um maior investimento na educação para o direito. Desde a formação escolar inicial a atividades como debates, exposições e apresentações, todos podemos ajudar à desconstrução de modelos de injustiça.
A esperança de um sistema judicial mais justo e eficiente é uma busca contínua, face aos novos desafios das sociedades hodiernas. A democracia que damos por garantida é mais frágil do que se pensa e a justiça está intimamente ligada aos valores morais e éticos da nossa sociedade. Cabe a cada um de nós desempenhar o seu papel na melhoria da sociedade e do sistema de justiça. E, por isso, desejo que haja consciência da necessidade de consensos para combater o crime (nomeadamente a corrupção), reduzir a morosidade, modernizar o sistema judicial, aumentar a transparência, proteger as vítimas e promover a igualdade, que a todos sirva.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.