Nos últimos meses a propósito de alguns casos mediáticos que têm vindo a lume através da comunicação social muito se tem escrito e debatido sobre o Ministério Público e as suas atribuições na área criminal, concretamente na fase de investigação, os meios de prova utilizados para investigar os ilícitos criminais e a morosidade na justiça.
Nos termos do art.219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ao Ministério Público compete para além do mais, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática, cabendo-lhe a direção do inquérito, assistido pelos órgãos de polícia criminal, conforme o disposto no art. 263.º, do Código de Processo Penal.
O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
O inquérito tem um prazo legal para ser concluído, que pode variar em função da complexidade do crime.
A lei penal define prazos máximos (entre os seis e os 18 meses) para se finalizarem os inquéritos, mas não prevê qualquer sanção para a violação desses prazos. Esses prazos visam evitar a demora excessiva na investigação, garantindo a celeridade e a eficiência do processo penal, respeitando os direitos dos arguidos e das vítimas.
Na verdade, a morosidade na justiça leva inevitavelmente à perda de confiança por parte dos cidadãos no sistema judicial – afetando a sua credibilidade – à eventual prescrição de crimes – o que significa que os infratores não são responsabilizados – fazendo com que as vítimas fiquem privadas de obter justiça em tempo útil – e os arguidos fiquem sujeitos a longos períodos de incerteza, o que pode ser injusto.
Os magistrados do Ministério Público nas investigações que dirigem pretendem ser céleres e eficazes e preferencialmente não ultrapassar os prazos legalmente definidos para a finalização dos inquéritos, não obstante por motivos vários, nem sempre ser possível conseguir tal desiderato.
Na verdade, a falta de recursos humanos e materiais, como procuradores, funcionários judiciais e sistemas tecnológicos adequados, contribui para atrasos na tramitação dos processos. A morosidade é muitas vezes exacerbada pela falta de investimento em infraestruturas e modernização dos tribunais.
Certos tipos de processos, como os de criminalidade económica, corrupção e branqueamento de capitais, exigem investigações e diligências complexas, como análise de documentos, perícias e cooperação internacional, motivo pelo qual a fase de inquérito desses processos se pode arrastar por vários anos.
O processo judicial é, por vezes, excessivamente formalista, exigindo uma série de atos e etapas burocráticas que prolongam a duração dos processos. Regras rígidas, como a necessidade de notificações formais e cumprimentos de prazos, acabam também por atrasar a tramitação.
Não obstante, os magistrados do Ministério Público estão obrigados a realizar todas as diligências que se lhes afigurem necessárias a identificar o autor dos factos e recolher provas de que determinado indivíduo praticou ou não os factos.
Se ao contrário do que sucede atualmente o prazo de duração do inquérito fosse perentório (prazo legal cujo cumprimento é obrigatório e definitivo, significando que, se não for cumprido, o direito ou a faculdade de praticar determinado ato se extingue), o que sucederia?
Ao Ministério Público ficava vedada a possibilidade de realizar as diligências necessárias ao cabal esclarecimento dos factos e milhares de inquéritos seriam arquivados logo que atingissem o prazo legalmente estabelecido.
E seriam arquivados porque no prazo legal estabelecido, ou não se lograria apurar a identidade do autor dos factos ou não se lograriam realizar todas as diligências necessárias a imputar-lhe a prática dos factos ou então até poderiam ser objeto de acusação, mas também neste caso provavelmente sem se ter logrado realizar todas as diligências tidas por convenientes, podendo conduzir à absolvição em julgamento e, mesmo que posteriormente chegassem ao processo elementos que até pudessem conduzir a uma conclusão diferente, os mesmos nunca poderiam ser utilizados, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, que significa que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Trata-se de um princípio de Direito Constitucional Penal que configura um direito subjetivo fundamental, enunciado no n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Se tal viesse a suceder, existiria um retrocesso na boa administração da justiça, e as vítimas e os arguidos ou suspeitos, seriam prejudicados, já que quando as pessoas não confiam no sistema judicial, podem evitar levar as suas questões aos tribunais, optando por resolver os problemas por meios informais, o que pode gerar riscos adicionais, como a violência, levando a um ciclo contínuo de retaliação e, eventualmente, mais conflito, ao invés de promover a reconciliação e a paz, incentiva-se o desejo de vingança.
A redução das demoras na justiça é essencial para garantir a eficácia do sistema judicial e assegurar o direito a um julgamento justo e em tempo razoável, conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa e nas convenções internacionais de direitos humanos e porque a confiança dos cidadãos no sistema de justiça é essencial para assegurar a paz social, a estabilidade e a segurança jurídica.
Contudo, tal só se nos afigura possível com um reforço de recursos humanos e materiais, o investimento na modernização e digitalização dos processos judiciais, com o uso de plataformas eletrónicas que facilitem a comunicação e o acesso aos autos e a redução do formalismo e simplificação dos atos processuais, diminuindo burocracias desnecessárias.
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