Permito-me começar este artigo com uma citação de Galileu Galilei: “Você não pode ensinar nada a ninguém, mas pode ajudar as pessoas a descobrirem por si mesmas.”
E é esse objetivo que pretendemos alcançar: ajudar as pessoas, a sociedade em geral a descobrir por si mesmas, já que desde há cerca de 8 meses, seja através de comentários escritos ou orais, muito se tem dito e escrito sobre a hierarquia no Ministério Público, ou a falta dela.
Sem pretender alongar-me excessivamente, proponho-me aflorar o tema da hierarquia no Ministério Público, atentas as concretas funções que exerço: diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Comarca de Santarém.
A hierarquia no Ministério Público em Portugal é composta por várias categorias, cada uma com responsabilidades específicas e desenhada para assegurar a independência, a imparcialidade e a eficiência na administração da justiça.
De acordo com o disposto no artigo 14.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, no exercício das suas funções, detêm poderes de direção, hierarquia e, nos termos da lei, intervenção processual, os seguintes magistrados: o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, o procurador-geral regional, o diretor do departamento central de investigação e ação penal, o diretor do departamento central de contencioso do Estado e de interesses coletivos e difusos, o magistrado do ministério Público coordenador de Procuradoria da República de comarca, o magistrado do Ministério Público coordenador de Procuradoria da República administrativa e fiscal, o diretor do departamento de investigação e ação penal regional e o diretor do DIAP.
Por seu turno, os procuradores da República que dirigem procuradorias e secções dos DIAP detêm poderes de hierarquia processual, bem como os poderes que lhes sejam delegados pelo imediato superior hierárquico.
A estrutura hierárquica do Ministério Público português é piramidal, sendo o seu vértice ocupado pelo PGR, cargo que depende de nomeação política do Presidente da República, sob proposta do Governo, não existindo quaisquer requisitos para a escolha da pessoa que ocupará tal cargo. A nível nacional existem quatro Procuradorias Gerais Regionais: Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, que detêm poderes de direção, hierarquia e intervenção processual, dentro da respetiva circunscrição territorial.
A nível nacional existem 23 comarcas, e cada comarca é dirigida e coordenada pelo magistrado do Ministério Público coordenador de comarca.
Em cada comarca sede da Procuradoria-Geral Regional criou-se o DIAP regional, com competência material limitada à criminalidade mais grave, complexa e organizada e nas comarcas com maior volume processual, foram criados os DIAP’s de comarca.
Ao diretor do DIAP compete dirigir a atividade dos magistrados do Ministério Público que exercem funções na área da investigação criminal, bem como, na área de competência do departamento, intervir hierarquicamente nos inquéritos, nos termos previstos no Código de Processo Penal, assegurar a representação e coordenação com o DCIAP, outros DIAP’s e polícias, e melhorar a articulação com colegas que intervêm em diferentes fases processuais ou em áreas materiais conexas com os factos em investigação.
A direção da atividade dos magistrados do Ministério Público que exercem funções na área da investigação criminal é uma responsabilidade complexa e crucial para a eficácia e a justiça do sistema penal em Portugal, já que o Ministério Público é o titular da ação penal, ou seja, tem competência exclusiva para iniciar o processo criminal, inquérito, e conduzir a investigação realizando as diligências necessárias para apurar a verdade dos fatos e, a final, deduzir acusação ou, em caso de não se ter apurado a identidade do autor dos factos, arquivar o processo.
Essa função envolve várias tarefas e responsabilidades que visam garantir a coordenação eficiente, a conformidade com a lei e a imparcialidade das investigações criminais.
Cada magistrado do Ministério Público é responsável e livre nas decisões que profere, competindo, contudo, ao diretor de DIAP, supervisionar e apoiar a atividade dos procuradores na condução de investigações criminais, especialmente em casos de grande relevância ou complexidade.
Não obstante o acompanhamento próximo da atividade do DIAP e dos seus magistrados que quotidianamente é feito pela hierarquia, os magistrados do Ministério Público devem comunicar superiormente os Inquéritos de especial repercussão pública e/ou excecional complexidade – despachos finais ou atos processuais relevantes (por exemplo, detenções, buscas) que em função da gravidade da infração, da complexidade do processo ou da repercussão social dos factos (impacto público previsível) o imponha, designadamente tendo em conta a criminalidade económico-financeira, especialmente violenta, altamente organizada, a qualidade dos arguidos (por exemplo, titulares de cargos políticos), a vulnerabilidade das vítimas, as particulares circunstâncias do cometimento do crime e/ou a gravidade excecional das consequências (por exemplo mortes, catástrofes), por forma a existir uma monitorização da atividade processual relativa a tais inquéritos e a auxiliar a ultrapassagem de dificuldades e de demoras na tramitação.
Incumbe ainda ao superior hierárquico intervir nos inquéritos, nos termos previstos no art. 278.º, Código de Processo Penal, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinando que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, isto no caso de o inquérito ter sido objeto de arquivamento. Compete-lhe ainda procurar que cada magistrado tenha uma carga de trabalho equilibrada, tarefa que cada vez se torna mais árdua, considerando a manifesta carência de magistrados, o número elevado de processos que mensalmente são distribuídos nos tribunais, a falta de oficiais de justiça e a falta de condições laborais.
Um hierarca deve ainda providenciar pela orientação técnica e jurídica dos magistrados, prestar apoio operacional e facilitar a colaboração com outras entidades judiciais, policiais e administrativas, tanto a nível nacional quanto internacional.
Os hierarcas devem liderar, coordenar, escutar, apoiar, resolver conflitos, estabelecer ligações com entidades externas, zelar pela organização dos serviços, bem como tentar aliviar os magistrados que tramitam inquéritos de algumas funções mais burocráticas, assumindo-as e permitindo-lhes dedicar o seu tempo à tramitação dos processos.
A direção da atividade dos magistrados do Ministério Público na investigação criminal é essencial para garantir que os crimes sejam investigados de forma eficiente, justa e célere, protegendo os direitos dos cidadãos e assegurando a aplicação correta da justiça.
Prestes a entrarmos em férias judiciais, faz-se já um balanço do ano judicial, do trabalho desenvolvido pelos magistrados, dos objetivos que foram ou não alcançados, e das dificuldades que foram ou não superadas.
Com os olhos postos no mês de setembro, analisam-se os números de inquéritos pendentes, o quadro legal de magistrados da comarca, o efetivo número de magistrados que vão assumir funções, o número de oficiais de justiça em serviço efetivo, quantos se vão reformar a breve trecho, escutam-se as angústias dos colegas, a preocupação com o futuro e, juntos, não baixamos os braços, com esperança que com o esforço conjunto e a bem da sociedade em geral, o sistema judicial dê resposta cabal aos problemas dos cidadãos e enfrente os novos desafios que se colocam numa sociedade constantemente em mudança