Quando se conheceram, desejavam intensamente estar juntos. Conversar, tocar-se, abraçar-se… era tudo o que mais queriam e envidavam os maiores esforços para o tornar realidade.
No presente, o que mais desejam é não ver o outro. Evitam-se, passam mais horas no trabalho, inventam compromissos, “fogem” de qualquer conversa, respondem com silêncio, preferem estar sozinhos ou sair com amigos, sentem uma espécie de repulsa quando o outro se aproxima, dormem em quartos separados ou com uma montanha de almofadas no meio da cama para não ver aquela mesma pessoa por quem um dia se apaixonaram e amaram, ou não…
Muitos sabem porque o fazem: para evitar o conflito, pelos filhos, porque não tem recursos financeiros para se separarem, porque acreditam que o outro mudará, porque receiam a separação e a solidão, porque acreditam que o “castigo” silêncio produzirá efeitos, porque têm uma relação por fora que serve de “balão de oxigénio”, porque não querem partilhar a casa e o carro, porque receiam que o outro se apaixone por alguém e como qualquer ser humano sentem aversão à perda…porque as suas crenças assim os fazem pensar, sentir e agir.
Outros, simplesmente, não querem pensar. Porquê? Porque dói e a negação causa menos sofrimento e, depois, são apenas algumas horas por dia. O pior mesmo são os fins-de-semana e as férias. Aí sim, a “fuga” fica mais difícil, pode transformar-se numa tortura ou numa espécie de “prisão” e as consequências não se fazem esperar porque deixa de ser humanamente possível manter o silêncio, o que dá origem à escalada do conflito. As discussões repetem-se, alternadas com silêncios mais ou menos prolongados que servem para conseguir “respirar”, tomar folgo e partir para a próxima “batalha”. É tempo de dizer tudo o que não se disse durante meses ou mesmo anos. Tudo o que se aguentou, se fingiu aguentar ou se somatizou das mais variadas formas.
Desconhecem que a indiferença é “cáustica” e que a “guerra do silêncio” pode ser mais destrutiva do ponto de vista emocional e psicológico do que qualquer conflito e discussão. Muitos não têm consciência das consequências para a sua saúde mental e a dos seus filhos viverem na “terra do silêncio” e os traumas profundos e “eternos” que essa mesma experiência pode provocar, especialmente para as crianças.
Sabia que uma criança que vive esta experiência pode pensar “se os meus pais não se falam é porque um deles fez algo errado, e se eu cometer algum “deslize”, podem também deixar de falar comigo.”
É este o modelo que essa criança aprende no que respeita às consequências de fazer algo errado e no que concerne à resolução dos seus conflitos com os pais, com a família, com os amigos e mais tarde, com o namorado e companheiro. E, mesmo que os pais tentem conversar quando as crianças estão presentes, elas sentem que não passa de algo artificial e um dia podem perguntar “porque só conversam quando eu estou aqui? Porque não se abraçam nem dão beijinhos? Porque dormem em quartos diferentes? É isso que é o Amor?” A resposta é tão simples quanto óbvia: Não, isso não é Amor, isso é uma mentira e podem estar, sem saber, a ensinar os vossos filhos a viverem relações baseadas em mentiras.
Tomar a decisão de ignorar a presença do outro porque existem problemas para resolver que não conseguem resolver é apenas um mecanismo de defesa que tem por detrás muitos medos e receios, designadamente o medo da perda, da rejeição e do abandono.
Com medo de perderem, serem rejeitados ou abandonados, decidem não falar, “poupar a relação”, porque pensam que não falar os protege de perder, de serem rejeitados ou abandonados e, consequentemente os protege de uma separação ou divórcio.
Muitos casais não sabem, não têm consciência e alguns não querem mesmo saber… que cada mês, cada semana, cada dia que passa sem conversarem sobre o que é urgente conversar, isto é, a sua vida a dois (porque é da sua vida que se trata!) pior se sentirão.
O silêncio do outro fá-los-á sentir maltratados, desprezados, rejeitados, abandonados, desesperados, até ao ponto em que não vai “sobrar mais nada”, a não ser… partir, porque esses mesmos sentimentos e emoções foram sedimentados na sua memória, juntamente com “camadas e camadas” de mágoa e ressentimentos e não conseguem mais encontrar o sentido para permanecerem juntos. O Amor acabou!
Mas, não só! Esse sentimento de ser ignorado vai igualmente minando dia a dia a sua autoestima e autoconfiança, o seu Amor próprio e a sua dignidade, até ao dia em que se olham ao espelho e não sabem mais quem são, porque lhes é muito difícil aceitar que viveram e continuam a viver uma relação, não de amor, mas de profundo desrespeito, por si próprio, pelo outro, mas especialmente pelo filhos, as principais vitimas da declaração e imposição desta “guerra do silêncio”, os quais, sem qualquer culpa, vão inconscientemente absorvendo que os problemas se resolvem dessa estranha forma.
Para os filhos, viver com uma mãe e um pai que não se falam é como viver com um colete de forças bem apertado, o qual se quer tirar e não se pode. Esse colete tem vários bolsos. A culpa ocupa a maioria. Sim, as crianças e adolescentes, podem sentir-se culpadas pelo silêncio dos pais, pela ausência de afeto, ternura e cumplicidade entre os pais, pela ansiedade e tristeza dos pais, podem pensar que disseram ou fizeram algo de errado, que não são suficientes, que não são aceites, que não são amadas, que o silêncio acontece porque está algo de errado com elas que não lhes dizem, e começar a ter comportamentos no sentido de também não quererem falar com a mãe ou com o pai, identificando-se e copiando o comportamento destes, afastando-se, refugiando-se nos seus quartos, nos seus telemóveis e computadores.
Muitos pais dizem não saber porque não conseguem conversar com os filhos, quando foram eles próprios que lhes ensinaram a calarem-se quando sentem necessidade de expressar o que pensam e o que sentem. Muitos continuam, igualmente, a reprimir as suas emoções e a não escutar as emoções que os seus filhos tentam não silenciar.
A frieza que é característica das relações onde reina o silêncio é percetível pelas crianças e jovens adolescentes. Por mais que os pais tentem esconder ou disfarçar, elas sentem-na e muitas delas interrogam-se: “O que posso fazer para os ajudar a estar bem?” Esta simples questão transforma-se rapidamente numa exigência que pode assumir um peso muito elevado para uma criança e resultar numa tentativa constante de resolver a situação. Quando chega a conclusão que não consegue, pode pensar que não é capaz, que é insuficiente, que não tem capacidades, que não é suficientemente boa… e todas estas afirmações podem vir a acompanhá-la pela vida fora e, especialmente, condicionar e influenciar determinantemente as suas relações futuras.
Ao não comunicarem um com o outro, os pais estão a ensinar aos seus filhos que as emoções devem ser colocadas numa “caixa”, sob pena de “a casa vir a abaixo” e já não haver mais nada a fazer. Para evitar aquilo que consideram um mal maior, paradoxalmente, os seus comportamentos alimentam esse mesmo desfecho com as mais variadas sequelas, para os próprios e, especialmente, para as crianças.
A relação entre os pais influencia determinantemente a saúde mental dos seus filhos. Uma relação disfuncional entre os pais irá marcar profundamente o desenvolvimento harmonioso e saudável de qualquer criança e, o seu modelo de relação, influenciar a escolha dos seus companheiros e o estilo de vínculo que irá estabelecer.
A infantilidade inconsciente e a irresponsabilidade dos pais que não conversam e não resolvem os seus problemas de adultos prejudica intensa e profundamente a estabilidade emocional dos mesmos e pode ter consequências catastróficas para as crianças, algumas delas eventualmente muito mais dramáticas do que uma decisão de separação tomada com a consciência de que a mesma protegerá as crianças de experienciarem silêncios gélidos que não são mais de que uma forma diferente de se agredirem mutuamente. Porque o silencio magoa, agride, causa dor e sofrimento.
Silenciar, não dizer o que pensa e sente, reprimir as suas emoções e sentimentos, estar em negação, fazer de conta é, acima de tudo, muito mais que castigar o outro, punir-se a si próprio, adiar a sua vida e não viver, com os seus filhos a “absorver” tudo isso.
O prolongamento desta situação, mais dia menos dia, vai fazer com que compre uma guerra consigo próprio. Muito pior do que se zangar com o outro é zangar-se consigo, culpando-se por não ter dito o que queria dizer e ter permitido, alimentado e vivido num “estado de limbo” enquanto a vida passava à frente dos seus olhos, o que o conduziu, inevitavelmente, a perder a alegria, a espontaneidade, a motivação, a energia, o interesse, o bem-estar emocional, psicológico e físico, quando não a experienciar um quadro depressivo. Nós somos seres sociais. Não fomos criados para viver no silencio. É contranatura.
Não permita que seja o seu ego a conduzir a sua vida, ou o seu orgulho a controlá-la e a decidir por si. “Arregá-se as mangas”, diga o que tem a dizer, sem medo. Porque é o medo que manda em si e na sua vida quando não fala com o seu companheiro.
Se está a viver uma situação semelhante à descrita, coloque-lhe um ponto final agora. Pior do que conversar é não conversar. Pior do que uma separação ou divórcio é dar as rédeas da sua vida a alguém que não quer conversar consigo e ficar à espera que venha ter consigo, ou que as coisas “colem” de novo por magia.
Afastamento gera afastamento, indiferença gera indiferença, falta de respeito gera falta de respeito, desamor gera desamor. Só está a enganar-se e a auto sabotar-se a si próprio. A vida passa demasiado rápido para viver de silêncio em silêncio. Você merece muito mais. Os seus filhos merecem muito mais. O Amor também pode ser silêncio, mas silêncio partilhado, cúmplice, tranquilizador. Não silêncio que magoa, fere, provoca, e o faz sentir que são dois estranhos a viver debaixo do mesmo teto, sem que nenhum tenha a coragem de dizer basta. Sim, é preciso coragem!
“Atire o medo pela janela” e corra atrás da sua vida. Pense o que quer para si e merece, tome a decisão de acordo com isso mesmo, comunique-a e passa à ação. Porquê ficar à espera que o outro decida a sua vida e lhe imponha uma “ação de despejo” do seu coração? Não querer conversar, querer permanecer em silêncio por longos períodos, não será o prelúdio dessa mesma intenção?
E sempre que lhe passar o pensamento pela mente “não falando estou a proteger os meus filhos” lembre-se nesse mesmo momento: Consegue sentir-se feliz e ensinar os seus filhos a serem felizes vivendo uma relação em que o silêncio é uma espécie de “penso” por cima de uma “ferida” sobre a qual precisam conversar? Estará mesmo a proteger os seus filhos ou estará a adiar uma conversa que o faz sentir muito medo? Será que o seu medo está mesmo a ser um bom “amigo” no que respeita a pensar em si, ao seu amor próprio, à sua dignidade, a proteger-se e proteger os seus filhos?
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