Numa altura em que a Escola Pública atravessa uma declarada crise, com milhares de docentes nas ruas em luta por melhores condições de trabalho e por um ensino de qualidade, são muitas e variadas as questões que se colocam em torno desta classe profissional que tem, ao longo dos sucessivos governos, sido o garante de funcionamento de um sistema ultrapassado e necessitado de reforma sem receber qualquer reconhecimento pela sua atividade ou importância profissional.
É certo que os professores – como os enfermeiros – foram aplaudidos quando, entre março de 2020 e janeiro de 2021, durante os confinamentos impostos pela pandemia, deitaram mãos à obra e, de um dia o outro, com os seus próprios recursos (acesso à internet, computadores, ratos, mesas digitais, câmaras, microfones, eletricidade, etc) asseguraram o funcionamento do ensino à distância, diversificaram métodos de ensino e de avaliação, criaram alternativas muitas vezes a partir do nada, garantindo que os alunos portugueses pudessem assim ter garantidas condições mínimas de normalidade em tempos de total caos… Mas disso nenhum político parece já guardar memória.
O descontentamento dos professores já vem de longe mas a sua luta por melhores condições de trabalho e por um melhor ensino público nunca antes tinha assumido a atual dimensão. Primeiro porque carecia de uma variável fundamental que era a união da classe em torno de duas exigências inexoráveis – JUSTIÇA E RESPEITO – e, segundo, porque esta união foi conseguida sob uma bandeira apartidária. Estes dois fatores têm feito a diferença e, por isso mesmo, mobilizado professores de todas as idades. E a revolução que agora se vive de norte a sul do país pode não ter fim à vista. É neste contexto de reivindicação dos seus direitos que importa alertar para mais uma das muitas injustiças perpetradas contra a classe docente por parte dos sucessivos ministérios que a tutelam.
As Escolas Portuguesas no Estrangeiro fazem parte da rede pública de escolas do Ministério da Educação tendo os docentes que lecionavam nestas escolas, até ao ano letivo de 2015/2016 e à introdução da norma travão, a possibilidade de concorrer em primeira prioridade, direito que lhes foi retirado a partir dessa data. Nesse ano letivo e nos subsequentes a designação específica das Escolas Portugueses no Estrangeiro desapareceu do normativo legal a reger o concurso de docentes tendo estes professores passado a poder concorrer apenas em segunda prioridade. Mais ainda, no contexto pré-norma travão, houve docentes que conseguiram o vínculo continuando a exercer no estrangeiro e outros houve que, por mais uma alteração a meio do jogo, como é apanágio do Ministério da Educação no que à legislação referente aos professores diz respeito (como comprova aliás o Decreto-Lei 132/2012 que veio estabelecer o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário que tem sofrido alterações ao longo dos anos e dos diferentes diplomas legais, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 9/2016, de 7 de março, e pela Lei n.º 12/2016, de 28 de abril, culminando com o Decreto-Lei n.º 28/2017 e a indicação nos procedimentos do concurso de professores 2017/18 de que os docentes nas escolas portuguesas no estrangeiro apenas poderiam concorrer em 2ª prioridade no concurso externo) – perderam essa oportunidade.
Se todas estas escolas são tuteladas pelo Ministério da Educação, se o serviço docente é contabilizado como se cumprido em Portugal Continental (para efeitos de avaliação docente de progressão na carreira), como explicar que o mesmo tenha deixado de ser contabilizado para o concurso docente? Por outro lado, qualquer que seja a justificação técnica para a alteração concursal de primeira para segunda prioridade, é inegável a situação de desigualdade e logo de injustiça entre estes professores e os que, antes da introdução da norma travão, conseguiram obter vínculo efetivo prestando serviço em escolas portuguesas no estrangeiro.
É do conhecimento geral o grave problema da falta de professores que já se faz sentir (cerca de 60 mil alunos iniciaram já este ano letivo sem professor a uma ou mais disciplinas) mas a situação vai intensificar-se nos próximos anos como consequência direta das políticas educativas que têm sido seguidas pelos sucessivos governos. As Escolas Portuguesas no Estrangeiro vão obviamente ressentir-se – como todas as outras – desta escassez de professores, ao mesmo tempo que sentirão cada vez mais dificuldades em manter a estabilidade dos seus corpos docentes. Atualmente, a maioria dos professores destas escolas estão em regime de mobilidade estatutária e alguns estarão mesmo de passagem.
Um facto inquestionável é o número de docentes presente nestas escolas em regime de contratação local ter vindo a decrescer e assim se prever que continue. Sem qualquer estabilidade profissional, descendo cada vez mais na lista de graduação, vendo-se ultrapassados nos concursos docentes apesar de apresentarem mais pontos de graduação que o último docente a obter vínculo efetivo no mesmo grupo de recrutamento, o que se espera destes professores, afinal? Em primeiro lugar, que cumpram exatamente as mesmas funções que os seus pares embora em situação de perfeita inequidade concursal. Em segundo, que exerçam essas funções com o mesmo empenho, a mesma dedicação e motivação que os outros professores. Por último, que não questionem a razão pela qual os colegas em mobilidade receberam um subsídio de instalação e eles – quando cá chegaram – não.
Mas muitos destes professores têm procurado lutar pela defesa das suas causas ainda que sem qualquer sucesso, como compravam algumas medidas tomadas: solicitação de esclarecimentos à DGAE, petição dirigida à União Europeia, missiva ao Presidente da República, entre outras… A Petição N.º 0652/2019, apresentada à União Europeia pelo professor Antero Ribeiro (a exercer na Escola Portuguesa de Moçambique) – sobre a discriminação de professores portugueses com contratos de trabalho a termo que trabalham no estrangeiro – apresenta argumentação suficiente para explicar que, ao contrário do que sucede com os seus homólogos em Portugal continental, os professores portugueses com contratos a termo que ensinam em escolas portuguesas no estrangeiro não têm a possibilidade de integrar o quadro de pessoal docente efetivo. Ou seja, esta diferenciação pode bem significar que um professor contratado a termo que trabalhe no estrangeiro dificilmente concluirá um contrato de trabalho permanente com o Estado português.
Outra forma de chamar a atenção para o que estes professores consideram ser uma forma de discriminação foi a missiva enviada ao Presidente da República solicitando-lhe que tomasse diligências junto do governo português para que lhes fosse conferido o direito de concorrer em primeira prioridade no concurso de docentes no ano letivo de 2021/22 e seguintes, conforme sucede com os colegas na mesma situação profissional em território português.
Em boa verdade, são imensas as causas da insatisfação dos professores e, nestes dias em que vivemos uma inusitada campanha de mobilização da opinião pública para os problemas desta classe profissional e da escola pública em geral, importa trazer à luz do dia todas a situação de injustiça vivida pelos muitos colegas Anteros, Danielas, Davids, Fátimas, Francines, Josés, Mafaldas, Margaridas, Mários, Nunos, Karinas, Patrícias, Paulas, Ricardos, Ritas, Ruis e Sónias pelas escolas portuguesas espalhadas pelo mundo que, a verem novamente alteradas as regras aos concursos sem que estas injustiças sejam respostas – como parece continuar a ser intenção do atual ME – poderão mergulhar num limbo do qual dificilmente conseguirão sair.
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