No início é a paixão. Um sentimento avassalador que invade tudo e deixa a vida mais colorida. Há uma vontade de união com o outro, um desejo de fusão, como diz a canção “I have got you under my skin, I’ve got you deep in the heart of me”. Mas a paixão tem um tempo de vida, e este vínculo fusional tem que ser actualizado, sob pena de nem sequer se conseguir suportar. O apetite deve voltar, o sono é restabelecido, os níveis de concentração voltam ao normal, entre outros acontecimentos biológicos envolvidos no estado de paixão. A actualização do vínculo é fundamental para a construção da relação e neste processo, o desejo de fusão deve desaparecer. É bom que desapareça porque uma pessoa não se pode perder na outra, ou seja, continuam a ser dois. A fórmula do “2 em 1” só é eficaz nos champôs, e mesmo aí, tenho as minhas dúvidas. Se o outro estiver demasiado próximo, nem se consegue ver, e se estiver fusionado, deixa de existir e não há outro para amar.
Qual é então a distância certa?
Depende das pessoas envolvidas na relação. Depende da necessidade de um e do outro (e de mais alguém envolvido no caso das relações não-monogâmicas). Existem casais que precisam de muita proximidade e mal saem da vista um do outro. Algumas delas são relações de co-dependência, com pouca ou nenhuma possibilidade de crescimento e evolução individual. Noutras relações existe muita separação, por exemplo as que se mantêm à distância (geográfica) ou não havendo distância geográfica, mantêm duas casas com um acordo de encontros na casa de um e de outro.
Não há receitas nem fórmulas mas, como uma planta em crescimento, a relação também precisa respirar para se manter viva e de saúde. O “eu” e o “tu” precisam ser preservados para não se diluírem no “nós”.
Uma das tarefas mais difíceis e exigentes numa relação de longa duração, é manter o erotismo, o combustível do desejo e da excitação sexual. O erotismo é como um fogo que não queremos que se apague. O que é que o fogo precisa para não se apagar? Ar. O fogo precisa respirar. Em qualquer relação ou sistema de relações, é fundamental gerar movimentos de separação e aproximação, como o movimento de um fole que projecta ar. A separação é necessária para haver o reencontro. Mas originar e tolerar a separação pode ser problemático para muitas pessoas. Perder o outro de vista, deixa-lo ir às suas coisas, ficar longe dele durante horas, dias ou semanas, pode ser muito ameaçador e gerador de insegurança. E se ele/ela não volta? E se ele/ela se esquece? E se ele/ela encontra outra pessoa mais atraente? E se alguém se sente atraído por ele/ela?
Quando falo de separação-aproximação, não refiro exclusivamente a separação geográfica, é também uma separação emocional. A outra pessoa pode estar na mesma casa, mas haver alguma “descolagem” um do outro.
Expressões brutas de insegurança podem destruir o interesse do parceiro
Aceitar e aguentar os movimentos de separação pode ser ameaçador quando a auto-confiança é escassa. Se a pessoa não está segura, bem enraizada em si própria e a confiar, pode ser engolida pelo medo. A insegurança tem um impacto na própria pessoa, no parceiro e na relação, por conseguinte, é fundamental ser bem gerida. A pessoa insegura fica numa posição de fragilidade e perda de poder. É muito importante haver por um lado, uma auto-regulação e por outro, uma comunicação íntima com o parceiro que deve ser capaz de acolher e securizar. Assumir esse momento de fragilidade é revelador de força.
Podem existir momentos de insegurança mas cuidado com a sua expressão pois, ela pode manifestar-se sob formas muito danosas. Alguns exemplos incluem o ciúme, tentativas de control do outro, expressões de desconfiança, de ameaça, e muitas vezes múltiplas formas de violência psicológica e física. Muitas vezes, encontramos a insegurança de alguns homens radicada numa masculinidade precária. Mas também algumas mulheres evidenciam um sentimento de posse e de control do outro que pode envolver agressividade.
Em resumo, o medo de perder o outro e a insegurança com os movimentos de separação, podem ser altamente corrosivos do amor em geral e do erotismo em particular. Expressões brutas da insegurança podem ser destrutivas do interesse do parceiro em níveis irrecuperáveis.
É preciso dizer que não se trata exclusivamente de ter uma forte self-confidence. Também é preciso ter uma boa dose de liberdade e de respeito pela liberdade do outro que pode escolher partir a qualquer momento. A pessoa fica na relação em resultado duma escolha livre. É preciso tolerar a ideia do outro poder partir a qualquer momento. E isto faz toda a diferença, na minha humilde opinião.
O grande desafio é amar de uma tal maneira que faça o outro sentir-se livre. É isto que aproxima, que faz querer ficar. O controlo mata o amor. O apego excessivo ao outro, fá-lo sentir-se preso. Uma relação amorosa deve permitir a liberdade e não o contrário. Quem ama, deixa ir.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.