A RTP3 convidou um conjunto de profissionais para, juntamente com o jornalista António José Teixeira (Portugal 2020), debater o ano que agora termina. O debate juntou um doente grave por Covid-19 (entretanto felizmente recuperado), um médico intensivista, um sociólogo e um professor que tivesse lecionado em casa, na escola e nos dois locais em simultâneo. Fui representar-nos. Nas escolas, diretores, professores e auxiliares foram uns valentes! E continuarão a ser.
Quando, em setembro, as escolas reabriram, todos pensámos que seria uma questão de tempo voltarmos de novo a ensinar através das plataformas de ensino a distância. A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos, as escolas portuguesas mantiveram-se abertas ao longo de todo o primeiro período, apesar da pandemia. Os professores estiveram na linha da frente, ao lado dos profissionais de saúde e de todos os que, na sociedade em geral, mantiveram em funcionamento todo o tipo de serviços essenciais como transportes, recolha de lixo, produção de bens essenciais, entre muitos outros.
Ao fazer o balanço deste ano nas escolas, a primeira ideia que me surgiu foi apresentar uma reflexão, obviamente pessoal, sobre os dois cenários distintos onde nos movimentámos e que obviamente se entrecruzam.
Cenário 1 – Ensino Digital versus Ensino Presencial;
Cenário 2 – Escola Pré-Covid versus Escola Pós-Covid.
Sobre o primeiro cenário, já muito se falou e eu própria já aqui escrevi sobre isso várias vezes, nomeadamente no texto intitulado E se as escolas voltarem a encerrar? O ensino digital provocou crises de ansiedade e estados depressivos perante a necessidade de adaptação a uma realidade estranha e inesperada. O trabalho realizado em ambiente doméstico – repleto de elementos distratores – não favoreceu as aprendizagens e, em muitos casos, não teve um acompanhamento parental adequado. De lembrar que o teletrabalho não se aplicou a todos os profissionais e muitos pais e encarregados de educação continuaram a ter de trabalhar fora de casa. A escola, como sabemos, reflete a sociedade e, em determinados contextos socioculturais, a escola digital pode não ter sido o sucesso de que alguns teimam em apregoar. Esta falta de acompanhamento e a ausência de rotinas trouxeram consigo um aumento muito significativo do número de horas dedicadas às redes sociais e aos videojogos que, em muitos casos, causaram uma verdadeira adição. Desconhecemos que consequências surgirão das experiências deste ano 2020. A adaptação à escola digital deixou em todos nós um rasto de cansaço e de alguma desilusão. Contudo, é indiscutível que houve uma mudança de paradigma e que a escola pós-covid é uma escola diferente da escola que nós conhecíamos.
Então, o que mudou? O regresso à escola em setembro foi acompanhado de uma enorme alegria. Apesar do desfasamento de horários, da redução e quase frieza de interações interpessoais, da carga horária que continua extensa, das dificuldades de comunicação e do desconforto físico provocadas pelo uso da máscara, a que se juntam as portas e salas abertas em pleno inverno, são notórias algumas mudanças positivas que certamente terão impacto nos nossos jovens. De salientar a maior higiene tanto pessoal como dos espaços escolares, o sentido de ordem, organização e responsabilidade, o aumento do respeito pelo “outro”, a redução do stress decorrente do ausência do toque estridente da campainha assim como da redução da linguagem por vezes agressiva dos adolescentes. A existência de uma sala e de um pavilhão fixos por turma transmite, grosso modo, um maior conforto aos alunos que assim podem deixar as suas mochilas na sala em vez de as terem de transportar de aula em aula. Saliente-se que apesar da inexistência de toques de entrada e de saída, a pontualidade verificada na grande maioria dos meus alunos é muito superior nesta escola da pandemia. Quanto ao tão falado distanciamento social na sala de aula, este não se verificou. Não seria possível uma vez que implicaria uma duplicação de salas e de professores que não existem.
Em forma de conclusão, ficou o retrato de um Portugal 2020 abalado nos seus pilares essenciais: hospitais, empresas, escolas, famílias… Nada será como dantes e talvez fosse esta a altura de repensarmos a escola. Os seus currículos, horários, cargas letivas, tudo… A escola do Século XXI continua a ser uma escola antiquada onde o conhecimento enciclopédico ainda predomina. O problema das escolas e do ensino em geral é um problema social que requer soluções sociais. Talvez fosse altura de revalorizar o papel da escola e do professor na sociedade, percebido agora o seu papel indiscutível na ajuda a combater os efeitos colaterais da pandemia, ao manterem abertas as escolas deste País. Deste ano, fica a maior das aprendizagens desse currículo oculto que é a vida: a consciência de que, num instante, tudo pode mudar.