Em consulta, alguém me disse: “não sei se queria casar, mas gostava que ele tivesse querido casar comigo”. É sobre isto que reflito num dos capítulos do meu mais recente livro “Vida a Dois”. Parece que o casamento está em crise. Todos ouvimos múltiplas referências ao casamento como algo que “não faz sentido”, que “não muda nada”, que “um papel não acrescenta valor”, que “não é importante”, que “nunca foi um sonho” … poderíamos continuar com os exemplos… Na minha atividade clínica, este discurso é igualmente comum. Mas, um olhar mais atento e perspicaz, misturado com alguma sensibilidade e experiência, faz-nos entender que, talvez as coisas não sejam “tanto assim” e que, este é ainda o sonho de muita gente. Contudo, por razões recônditas, parece cada vez mais difícil de verbalizar e de assumir… sobretudo quando o outro lançou a primeira deixa e disse não querer.
Talvez o casamento seja hoje olhado como um sinal de fraqueza ou de dependência. Assumir que queremos casar pode colocar-nos num papel de fragilidade e até inferioridade. Não que isto tenha algum fundo de verdade, mas, parece ecoar no seio de uma sociedade que se quer independente, que não precisa do outro, que rejeita veemente qualquer ideia que se assemelhe a conservadorismo (nada mais conservador do que casar, diriam alguns).
Contudo, assistimos com alguma frequência a situações onde a mágoa pelo não casamento parece ficar encoberta. Por alguma razão, parece que queremos esconder de nós mesmos esse desejo mais íntimo do casamento, negando-o para nós e para os outros.
O “não quero casar” soa em muitos casos a um mecanismo de proteção e a uma estratégia de manutenção do amor próprio ou orgulho. Nada pior do que assumir que queremos casar e ouvirmos do lado de lá algo como, “mas eu não quero casar”. Independentemente dos motivos da outra pessoa, esse “não quero casar” soará sempre a rejeição, a um “ele/a não quer casar comigo”. Nada pior que isto. Qual é então a melhor opção? “Eu também não quero casar. Para mim também não é importante”. Anos mais tarde, parecem começar a surgir as mágoas.
Por vezes, para compreendermos a evolução dos tempos e das sociedades é preciso dar alguns passos atrás. Numa sociedade que se vangloria de ser independente, parecem continuar a emergir necessidades antigas. Afinal, que significado poderá isto ter?
A sociedade está em mudança, disso ninguém dúvida. O homem já não procura uma mulher que cuide dele, do mesmo modo que a mulher não procura um homem que garanta a subsistência da família. Se quisermos colocar as coisas numa ótica mais prática, as pessoas não estabelecem relações por necessidades que outrora motivaram casamentos. Se retirarmos estas motivações, o foco incide sobre as necessidades emocionais, pois até mesmo as necessidades sexuais podem ser supridas sem necessidade de uma união com alguém.
Contudo, ao mesmo tempo que surge a necessidade de independência, surge a necessidade de partilhar a vida com alguém e, ao mesmo tempo, também o receio do compromisso e da conotação “para sempre”. O que nos assustará assim tanto? Será que uma sociedade onde a mulher adquiriu um papel diferente daquele a que o homem estava habituado, faz o homem recuar e não saber como se posicionar perante esta “nova mulher”? Ainda estará o homem a adaptar-se a esta nova realidade? Realidade essa que altera séculos de história? Estará também a mulher numa fase em que deseja quebrar com o passado e “provar que não precisa do homem?”.
Estarão estas mudanças e necessidades de ajustamento a interferir com a capacidade de comprometimento com as relações e com o amor?
O que não é falado acaba por se transformar muitas vezes em mágoas, permanecendo como um elefante no meio da sala que fingimos não ver, mas vindo ao de cima mais tarde como um problema maior que esse elefante ignorado.
O diálogo é a regra primordial no casal. Sempre que não o fazemos, colocamos em causa a relação de forma significativa. Assumir o que sentimos e desejamos não faz de nós seres inferiores. Muito pelo contrário! É sinónimo de uma gestão emocional eficaz, de uma consistência do “eu”, de uma grande capacidade de assertividade e até de uma enorme autoconfiança. Por vezes, o outro apenas sente as mesmas dúvidas e incertezas. Apenas é invadido pelas mesmas ideias pré-concebidas ou pelo mesmo tipo de “orgulho”.
Seja o desejo casar ou não casar, a sua expressão de uma forma séria e sem subterfúgios é impreterível.
Inspirado no Capítulo “Casar não está na moda” do livro Vida a Dois.