Há dias, em conversa com amigos sobre a inflação do preço das casas de Lisboa, percebemos que este fenómeno que em Portugal atingiu Lisboa e o Porto recentemente, já antes tinha atacado a vizinha Barcelona, Nova Iorque e continua a marcar o destino de outras cidades. Parece ser uma estratégia que acontece paralelamente ao posicionamento assumido por certas cidades e capitais num ranking de sucesso e poder internacional que até então não existia para cidades mas sim para países e respetivas culturas. É verdade que Lisboa hoje é mais brilhante do que nunca graças aos negócios inovadores, à projeção internacional das incubadoras de start-ups, aos chefs e eventos internacionais que acolhe, e, entre outras coisas, às esplanadas que abriram por todo o lado para os lisboetas e turistas finalmente poderem usufruir do espaço público com maior entrega. Coisa que não acontecia, apesar de esta ser a cidade da luz. O preço das rendas subiu a ponto de muitas pessoas terem de mudar-se para fora da cidade de maneira a controlar os gastos e viver com alguma qualidade, e o salário mínimo nacional subiu miseravelmente para pouco mais de 500€, mas estes números não entram na argumentação de quem defende a capital portuguesa como o lugar que toda a gente deve visitar, ou para onde devem mudar-se para uma experiência latina única nem que seja só durante um par de meses. Lisboa simplesmente ganhou uma identidade poderosa graças ao turismo massificado ou de nicho, aliado à valorização dos seus imóveis e à segurança que oferece. E em que lugar do ranking irá posicionar-se nos próximos anos? Queremos igualar Madrid e Barcelona? Não faltam notícias a dizer que Lisboa é o ex-libris escondido da Europa, mas até onde nos levarão estas notícias para além do aumento do fluxo de turistas?
Que investimentos e políticas serão feitos na cultura específica da cidade? E que cultura específica tem ela para mostrar? O que restará quando o boom imobiliário e a bolha do turismo esvaziarem? Creio que os turistas irão afastar-se de experiências vendidas a metro para gradualmente aproximarem-se de vivências e experiências olhos nos olhos. Acredito que o futuro do turismo assentará em experiências raras, que permitam a criação de sonhos e a ideia de alcançar o intangível.
Como uma reação à queda de credibilidade que vários países estão a ter graças a fatores como o terrorismo, nacionalismo, fluxos migratórios ou fenómenos climáticos adversos, entre outros, certas cidades têm-se demarcado, ganho expressão e poder a nível internacional. A dicotomia País versus Cidade hoje é uma realidade. E o comportamento de turistas e de nómadas urbanos, dentro deste enquadramento, tem mudado. Cada vez mais a reflexão está próxima disto: “Não quero ir para os EUA por está lá o palhaço do Trump, mas quero ir a São Francisco”. Ou seja, afunilamos o olhar para a cidade que nos interessa e varremos da equação da escolha o país onde ela está plantada. Ignoramos o que não queremos ver, apesar da relação intrínseca entre as partes, e ficamos altamente seletivos em busca de experiências seguras e agradáveis.
Hoje as cidades de sucesso devem saber projetar-se em escala, ser inclusivas, inovadoras, seguras, culturalmente ricas e etnicamente diversas. A segurança é um requisito prioritário e neste campo Lisboa e o Porto ganham pontos face a outras cidades europeias e do norte de África. Os terroristas ainda não largaram bombas em Lisboa e seguramente que a Madonna levou isto em consideração antes de mudar-se para cá em vez de ir para Madrid. As cidades e capitais assumem um poder e projeção internacionais que até há poucos anos não acontecia desta forma, como se fossem ecossistemas autónomos e independentes. Cada cidade é um concentrado específico de cultura e ofertas únicas, independentemente do país onde se inscreve. Creio que o desafio agora está em conseguir que cada uma se defina e posicione de maneira particular, tendo como concorrência vizinha outras cidades igualmente apelativas, sem esquecer que a autonomia é um atrativo natural mas que as memórias e a cultura de uma civilização e de um povo são o seu ADN, e sem ele qualquer proposta turística fica reduzida ao vazio.
Organismos como o Global Parliament of Mayers e a The Global Network of Cities, Local and Regional Governments são a prova de como hoje são valorizadas a cooperação, escuta e partilha de experiências entre cidades e presidentes de câmara das mais diversas cidades interessados em marcar a diferença na região onde se inserem. As cidades encontram-se, debatem e planeiam o futuro.
Quanto a nós, creio que o Porto, pela sua dimensão pequena e bairrista, conseguirá ter sucesso ao trabalhar a sua identidade à volta do vinho, da arquitetura, do design e de um turismo de proximidade. Cidades acolhedoras e desenvolvidas são coisa apetecível. Já Lisboa, envolta na diversidade e fragmentação próprias de uma capital, está a correr o risco de vender-se ao desbarato e perder identidade. Que novos temas e tendências marcarão a capital nos próximos anos fazendo dela uma localização própria e única? Será que temos trabalhado o rio Tejo – este palco natural que espelha a magnífica luz da cidade – da forma mais adequada para locais e turistas? Será o Tejo a nossa joia rara?
Aguardo ansiosa pelo futuro.