Dia 25 de novembro assinala-se mais um Dia Internacional para a Erradicação da Violência Contra as Mulheres. Em Portugal temos legislação adequada, ancorada na Constituição Portuguesa e em Tratados Internacionais, que proíbe todas as formas de discriminação com base no género.
Nos últimos 20 anos temos vindo a desenvolver um sistema de proteção às vítimas que integra respostas diferenciadas, que vão desde os serviços de atendimento às casas abrigo, passando por especialização das forças de segurança até uma rede de Organizações Não Governamentais que está, desde sempre, na linha da frente deste combate.
Contudo, os números continuam a espelhar uma realidade severa e marcadamente de género. Em 2016, as Forças de Segurança registaram 27.681 ocorrências por violência doméstica, nas quais 80% das vítimas são mulheres e 85% dos agressores são homens, sendo que 72% dos casos ocorreram entre pessoas que têm ou tiveram relações de intimidade.
Entre as vítimas do crime de violência doméstica e de género, cerca de 750 mulheres e crianças encontravam-se acolhidas em casa abrigo ou em resposta de emergência. Acrescem ainda os dados do Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR que, em 2016, registaram 53 femicídios, 22 dos quais de forma consumada e 31 na forma tentada.
Perante esta realidade há uma pergunta que não podemos deixar de fazer: porque é que este crime persiste de forma endémica na sociedade portuguesa? A resposta é, no mínimo, perturbadora. A sociedade portuguesa é, numa larga maioria, tolerante com este tipo de crime, porque o fenómeno é considerado pela maior parte das pessoas como um crime menor, um crime que tem a desculpa das relações de intimidade entre homens e mulheres.
No entanto, 2017 trouxe dois acontecimentos que nos interpelam no modo como convivemos com este fenómeno e que espelham sinais que podem indiciar, positivamente, uma mudança coletiva na atitude face a este flagelo.
Primeiro acontecimento – o escândalo de Hollywood com as inúmeras denúncias de assédio sexual. As vítimas sentiram-se seguras para denunciar. A indústria do cinema, que detém o poder, reagiu. Os perpetradores foram postos à margem.
Segundo acontecimento – o caso do juiz Neto de Moura. A argumentação ao avesso da Constituição, que enquadrou a confirmação de uma sentença relativa a uma situação de violência contra uma mulher, levantou uma onda de protestos que culminou com a exigência da abertura de um inquérito interno pelo Conselho Superior de Magistratura.
Estes dois acontecimentos dão-nos sinais inequívocos de que podemos estar num momento de mudança face à tolerância social da violência exercida contra as mulheres. Este pode ser o momento em que a sociedade portuguesa tem a oportunidade de promover um pacto social de não aceitação, que rejeite de forma perentória, a perpetuação da vitimização e a impunidade dos agressores.
Continuaremos, certamente, a aperfeiçoar e a melhorar a resposta às vítimas, a apostar na formação das forças de segurança e dos magistrados, continuaremos a sair à rua no 25 de novembro erguendo as vozes contra este flagelo. E continuaremos, enquanto sociedade civil, a organizarmo-nos ativamente para combater a violência contra as mulheres.
Mas, para que este pacto social seja eficaz, é necessária uma manifesta afirmação de poder contra os crimes de violência de género, bem como do repúdio explícito por quem comete os crimes.
É preciso, também, que o Estado, através dos seus mais altos representantes, venha afirmar publicamente que não compactua com esta realidade que nos envergonha enquanto País. É preciso que esta afirmação, de quem tem o poder e a autoridade para a fazer, se junte às vozes das ONG e daquelas que todos os dias procuram sobreviver à violência, mostrando a força efetiva da sanção social contra a prática abusiva. Nesse dia sim, daremos um passo em frente, no combate sem tréguas, à violência contra as mulheres. Esse dia pode ser o dia 25 de novembro de 2017.