Quando Emil Kraepelin caracterizou há 100 anos a Psicose Maníaco-Depressiva, certamente que não antecipava a dinâmica evolutiva que o nome da doença e a sua conceptualização iriam sofrer até ao presente.
Psicose Maníaco-Depressiva caiu em desuso e o seu conceito substitutivo de Perturbação Bipolar extravasou muito para além das fronteiras da psiquiatria tendo-se tornado um referencial da moda.
Diz-se que Portugal é um país bipolar, que a selecção Portuguesa nos provocou sentimentos bipolares, que uma empresa é bipolar ou que alguém é bipolar.
Há sem dúvida uma banalização do conceito de que a psiquiatria num primeiro tempo se apropriou para depois o exportar. A sua significação ganhou contornos mal definidos que, apesar de tudo, invocam a vivência de emoções, sentimentos, afectos e humores intensos e extremados que se podem opor.
Para quem padece desta doença, esta banalização é penalizadora pois diminui e desvaloriza o sofrimento e não permite que os outros percebam a real dimensão de uma trajectória de vida inevitavelmente difícil e sobretudo muito atribulada.
A doença inicia-se geralmente na juventude e irá evoluir por episódios de tristeza e depressão, episódios de euforia e expansividade de humor, episódios de zanga e irritação, períodos em que estes estados se misturam completamente e até, felizmente, períodos mais ou menos longos em que a pessoa consegue estar bem. Com a passagem do tempo, sem tratamento ou se este for ineficaz tudo isto tende a agravar-se e a tomar um formato crónico em que a depressão costuma tomar a supremacia.
Para o paciente com Doença Bipolar mais grave deixa de ser possível planear a sua vida mesmo quando está bem, pois nunca sabe em que momento o seu estado de humor irá claudicar. Para os pacientes com Doença Bipolar, os episódios de doença implicam interromper o trabalho ou o estudo, ameaçar a estabilidade e a continuidade da vida familiar e assim determinar um grau considerável de incerteza e instabilidade no futuro.
Associado a esta atribulação de vida há uma maior tendência para o uso e abuso de álcool e drogas, bem como gastos excessivos e desadequados (particularmente nos períodos de euforia) ou ainda comportamentos impulsivos de diferente natureza.
Instabilidade, incerteza, impulsividade, excesso são conceitos que se relacionam com a Doença Bipolar. Por isso o paciente bipolar define uma contra atitude bipolar nos outros. Ora encanta, ora aborrece, ora se faz amar, ora desencadeia raiva.
Mas sendo tudo o que foi referido anteriormente difícil e sofrido, há que dizer que o tratamento da Doença Bipolar é razoavelmente eficaz para uma boa proporção de pacientes.
Com o tratamento não se visa a cura mas sim a estabilização e a prevenção dos episódios mais activos da doença. O paciente terá que ser um agente interventivo, cooperativo e dinâmico na procura do seu equilíbrio. O tratamento é necessariamente farmacológico e psicoterapêutico sendo o Lítio o fármaco de eleição. Aos terapeutas exige-se conhecimento, experiência, paciência e tempo (este infelizmente é cada vez mais escasso nas instituições de saúde). Como tudo em medicina a procura do equilíbrio é a palavra chave, seja na alimentação, seja no sono, seja em todos outros hábitos saudáveis de vida.
Muitas vezes o paciente bipolar vive a contradição entre a vivência extrema de certos afectos que lhe dão energia, poder e criatividade (estados de euforia e exaltação) e o equilíbrio que o normaliza. Como é óbvio quererá sempre evitar a depressão.
Nesta contradição estiveram Van Gogh, Virginia Wolf, Bethoven ou Robin Wiliams. Demonstraram-nos que a bipolaridade se pode associar ao talento. Eventualmente até pode intensificar a expressão artística abrindo uma “linha directa” entre vivência emocional e criatividade. Contudo, não creio que tivessem gostado de serem “bipolares”. Provavelmente teriam trocado a sua vida de sucesso artístico por uma vida mais banal e equilibrada.