Vivemos atulhados em informação e esmagados por canais de comunicação, numa azáfama de estímulos que o nosso cérebro tem de processar a toda a velocidade. Somos mais multitasking do que alguma vez fomos, ou seja, desenvolvemos a habilidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Mas dispersar a atenção em vários focos faz-nos perder capacidade de concentração. Processar tanta informação torna-nos mais desligados do corpo, mais cerebrais, e por vezes questiono a relação de custo-benefício nesta situação.
A vida num mundo global e digital é mais rápida e ocupada. O imediatismo adquiriu um valor acrescentado. São muitas escolhas a fazer e decisões a tomar em agendas carregadas. Os ecrãs facilitam-nos a vida e estão por todo o lado. A vida faz-se no ecrã, longe da natureza. Passamos do ecrã do computador para o ecrã do telemóvel, passamos pelo tablet, a televisão, o datashow nas reuniões, os ecrãs de cinema, entre outros. Agora mesmo lemos esta crónica num dispositivo electrónico onde podemos ter várias janelas e canais de comunicação abertos, mantendo assim a nossa mente muito activa. Mas, e o nosso corpo? Como é que ele está?
Estou convencida que hoje vivemos mais desligados do corpo e habitamos mais a nossa mente. Perdemos a capacidade de estar no corpo, de ser o corpo, talvez por vivermos mais afastados da natureza. A lua já não guia as sementeiras, já não observamos as estrelas para levar o barco. Confiamos menos na intuição, e em vez disso, consultamos tabelas em ecrãs. Estamos menos contemplativos e mais analíticos.
A consciência corporal está diminuída, e isto tem custos para a saúde geral (física, mental e sexual). Ter consciência do corpo significa sermos capazes de o sentir, de o ouvir (às vezes reclama), aceder às nossas emoções através dele, perceber zonas de tensão e vivências de prazer. Por outro lado, habitar o corpo com mais consciência traz-nos para o momento presente, para o aqui e agora, o que significa mais bem-estar, menos ansiedade, e mais saúde.
Este “habitar mais” o corpo, estar nele de forma mais consciente, também traz benefícios na sexualidade a vários níveis. Em primeiro lugar, porque há mais capacidade de sentir prazer físico. Costumo pedir às minhas clientes do consultório que chegam com dificuldades sexuais, para me darem exemplos de prazer através do corpo (para além do sexo). Com frequência assisto ao silêncio como resposta. Um banho de mar, o sol na pele, o contacto com a areia, um passeio no bosque, uma massagem, um copo de vinho, o contacto de um lençol fresco numa noite de Verão, são alguns exemplos de prazer sensorial. Mas é preciso Ser o corpo para reconhecer estes e outros estímulos sensoriais como prazerosos. Por outro lado, ser mais corpo (e menos mente), também permite maior capacidade de ficar ligado aos estímulos sexuais o que facilita a excitação, o desejo e a satisfação sexual. Com frequência o prazer sexual, particularmente o das mulheres, pode ser perturbado pela distracção cognitiva durante a actividade sexual. Por exemplo, quando surgem determinados pensamentos durante o sexo, que acabam por impedir a concentração nos estímulos sexuais. Estes pensamentos sobre os mais variados temas são involuntários e invasivos. Podem estar relacionados com o medo de falhar, de não agradar, de não ser suficientemente atractiva, de não estar a fazer as coisas certas, ou sobre coisas dos filhos para o dia seguinte, a lista do supermercado, ou um problema do escritório. Estes pensamentos invasivos parecem ganhar vida própria e o seu protagonista desconcentra-se da actividade em que está envolvido. Assim, uma maior consciência corporal significa mais facilidade de foco nos estímulos físicos e por conseguinte, mais prazer. O que se pretende é sentir no corpo, mais do que analisar com a cabeça. Numa palavra: Desligar!
Atenção! não confundir o meu apelo para Ser o Corpo, com as preocupações com a auto-imagem. Sim, por exemplo quando ela ou ele pensa sobre quão atraente é, se está gorda ou se sente culpa por ter comido o que comeu. Não, isso é outra coisa. Isso é a mente em acção, a produzir pensamentos e julgamentos. É a mente a importunar-nos constantemente com as suas avaliações sobre a beleza física, as imperfeições da pele, a tonicidade dos músculos, a distribuição dos adipócitos, a flacidez, etc, etc.
Ser o Corpo não é nada disto! Um bom exemplo, é aquele abraço que damos com o corpo todo, a um amigo numa despedida. Uma boa metáfora, e da minha experiência é o tango Argentino. No estilo milongueiro uma dança de abraço fechado. O homem desenha a dança, dá marcas subtis à mulher, com o seu corpo, mais propriamente com o tronco, ela recebe os sinais, responde, e vão juntos. É uma comunicação não-verbal extraordinária. O grande desafio é sermos capazes de estar no corpo, para transmitir e receber bem esses sinais. Quando acontece plenamente é uma experiência fantástica. A minha professora de tango Argentino diz assim: “Já percebeste com a cabeça, agora tens que perceber com o corpo”. E o professor acrescenta irritado: “Tu pensas demais! Recebe a marca (do par) com o teu corpo”.
É este exercício de “ficar no corpo” e no aqui e agora, no momento presente, que aqui reclamo como um bem valioso, para a nossa saúde geral e sexual em particular. Como no tango, é no presente que a vida acontece. É também por isso que a meditação, o yoga, e o mindfulness estão na moda, e o número de praticantes não pára de crescer.
Parece que temos que reaprender algumas coisas. Aproximarmo-nos da Natureza é urgente.