Vou começar por ser franco, aliás como sempre: quando era criança e fiz as minhas primeiras fotografias, ou seja, quase duas décadas antes de ter trocado a Economia pela fotografia profissional, detestava que aparecessem pessoas nas minhas fotos. De facto, quando viajava com os meus pais, fazia de tudo para evitar que a presença do elemento humano fosse uma distração visual. Ainda o conceito de selfie estava por nascer e eu já não gostava de gastar “rolo” comigo próprio, pois, perante o limite das 36 exposições em filme, havia que escolher bem o que se fotografava, sendo que eu não era de todo uma prioridade, nem as pessoas que teimavam em obstruir a vista desimpedida daquela fachada de um qualquer monumento que tanto me impressionava. Note-se que sempre adorei retrato… apenas não gostava de ter alguém a “atrapalhar” nas fotografias de paisagem urbana ou natural.
No entanto, os anos passaram, as experiências acumularam-se e o gosto refinou-se. Apesar de o início de carreira ter sido marcado quase exclusivamente pela fotografia de paisagem, a vivência de três anos em Timor-Leste encaminhou-me para o retrato. Surgiram, então, caminhos paralelos assentes em dois géneros fotográficos, ambos igualmente apaixonantes, mas por razões distintas. De facto, por um lado, a fotografia de paisagem transporta-me para as espantosas manifestações da Natureza (e, quanto mais desafiantes forem, mais energizado fico ao experienciá-las); por outro lado, o retrato leva-me a conhecer pessoas verdadeiramente especiais (e, através delas, cresço interiormente, descobrindo que a felicidade tem diversas origens que eu desconhecia).
Ao longo deste percurso, quase tudo o que era uma “verdade” assente continua a sê-lo hoje em dia, porém definiram-se novos contornos, pois os caminhos outrora paralelos — a paisagem e o retrato — intersectaram-se. Tal como recentemente me disse um bom amigo, “o elemento humano ‘aquece’ uma fotografia”. E é verdade. Estamos biologicamente programados para prestarmos atenção aos nossos semelhantes. Somos especialistas em avaliar micro expressões faciais e posturas corporais, as quais nos permitem detetar ameaça, afeto, felicidade, medo ou outro qualquer traço emotivo indelével noutra pessoa. Portanto, sem surpresa, “aquece-nos” a alma visual ao observar uma imagem com presença humana, pois gera uma ligação e uma reação emocional.
Todavia, os fundamentos biológicos são apenas um fator entre muitas razões pelas quais vai querer ponderar a inclusão de um elemento humano na sua próxima fotografia. Descubra quatro dessas razões, as quais poderão fundamentar a criação de uma imagem apelativa, intemporal e humanista.
1) Estabelecer um ponto focal
Tal como um texto precisa de ter um enredo central identificável pelo leitor, uma fotografia beneficia quando existe um motivo que consiga agarrar o olhar do observador — por outras palavras, um ponto focal. Neste sentido, um elemento humano consegue, especialmente quando isolado, garantir que lhe será prestada a devida atenção, simplificando a mensagem, gerando interesse acrescido e intensificando o impacto visual da fotografia.
2) Criar uma sensação de escala e de perspetiva
Se as pistas visuais forem escassas, é frequente o observador ter dúvidas quanto à real escala dos elementos presentes numa composição. Com efeito, sem haver uma bitola cujas dimensões sejam conhecidas, como poderemos saber se, por exemplo, uma formação rochosa tem dezenas ou centenas de metros? Adicionalmente, visto que a fotografia é um meio bidimensional, torna-se benéfica a presença de um motivo que ajude estabelecer as relações espaciais e contextuais entre os diversos elementos incluídos na imagem. Novamente, um elemento humano consegue cumprir todos estes desígnios, pois as suas dimensões, seja um adulto ou uma criança, são-nos familiares; além de que a postura corporal e a direção do olhar/andar ajudam a criar uma noção de perspetiva mais precisa.
3) Transmitir uma história
Um dos principais propósitos de uma fotografia é contar uma história. Por sua vez, essa história pode ser mais ou menos interessante, apaixonando o observador ou desmotivando-o. O gosto não se discute, já diz o ditado popular, mas imagine a mais fantástica fotografia de rua que conseguir — arquitetura maravilhosa, luz espantosa, etc. —, mas despida de qualquer presença humana. Agora, imagine que, algures nessa composição idealizada, surge um elemento humano. O que se ganhou? A diferença é que, no segundo caso, por mais que não se queira, foi acrescentada emoção, um aspeto que raramente emana de prateleiras, do cimento ou qualquer outro motivo inanimado, por mais bem arquitetado que este tenha sido. E, com a emoção, passou a existir uma história com a qual nos poderemos relacionar, com a qual a nossa imaginação pode voar. Assim, através de um elemento humano, se tudo correu bem, passou-se de uma fotografia bonita para uma fotografia com mensagem.
4) Despertar uma reação emocional
O que é que torna uma fotografia especial? Na verdade, muitos aspetos contribuem para isso: a qualidade da luz, a técnica fotográfica usada, a organização estética entre os diversos motivos e elementos na composição, entre outros. No entanto, uma vez ponderados todos os fatores imagináveis, existe um que prevalece: a existência de uma reação emocional com efeitos permanentes no observador. Ou seja, quando uma imagem nos fica na memória para sempre, ela só pode ter algo de especial, contando-nos uma história que encontrou eco no nosso íntimo. E, se pensar bem nisto, e em todas as imagens que lhe são inesquecíveis, arriscaria apostar que a maioria delas inclui um elemento humano… ou até mesmo outro ser vivo.